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‘O caminhão urbano a diesel vai desaparecer’, prevê Sergio Habib

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Estadão Conteúdos

Sergio Habib fala com entusiasmo sobre carros, números, estatísticas e a esposa, Sandra. “Sem uma vida pessoal estável, é impossível ter sucesso nos negócios”, diz. Presidente do Grupo SHC, ele já foi o maior concessionário da Citroën do Brasil – chegou a ter 50 lojas – e, desde 2011, é o representante da JAC Motors no País. O empresário anunciou que ergueria uma fábrica para fazer carros da marca chinesa, primeiro na Bahia, depois, em Goiás. Porém, os planos não vingaram, o grupo acumulou uma dívida bilionária e entrou em recuperação judicial em 2019. No ano seguinte, Habib decidiu focar a venda de veículos elétricos. Ao Estadão, o paulistano falou sobre o futuro da eletrificação, impactos de práticas de ESG nos negócios e as perspectivas da empresa para 2021.

Como foi o desempenho da JAC Motors em 2021?

Par nós, 2021 foi muito bom, foi o ano da virada. Não vendíamos nem caminhão nem carro elétrico no País. Os primeiros caminhões elétricos chegaram em janeiro de 2020 e, dois meses depois, começou a pandemia. Então, 2020 foi um ano de susto. Ninguém sabia o que era a pandemia. Mas aprendemos a conviver com ela. Em 2021, mudamos totalmente o foco e migramos dos carros a gasolina e dos caminhões a diesel para elétricos. Esse é o futuro, e a nossa expectativa para 2022 é muito boa. Vamos quintuplicar as vendas e passar de 300 carros em 2021 para cerca de 2 mil neste ano. Vendemos 500 caminhões elétricos no ano passado e devemos chegar a 600, 700 em 2022.

O mundo está mudando a política industrial para incentivar o carro elétrico…

Se os governos não mudarem um pouco essa política, em 2035, 2040, o mundo terá um grande problema. O carro elétrico é caro e viajar com ele é complicado. Por exemplo, nas férias, o francês roda 700 km, 800 km desde que era criança para visitar os avós. Quem compra (Volkswagen) Polo ou (Renault) Sandero de € 9 mil ou um usado vai fazer como? Recentemente, o presidente da Stellantis, Carlos Tavares, disse que a indústria deveria poder continuar fazendo carros híbridos por mais tempo. Nenhum país está resolvendo esse problema direito. Nos EUA, se os republicanos ganharem a próxima eleição, garanto que vão mudar a política do elétrico. Esses veículos são muito bons nas cidades. O caminhão elétrico, por exemplo, é a melhor solução. Não vibra, não faz barulho nem emite CO2. Um caminhão urbano a diesel gera 30 toneladas de CO2 por ano. Em cidades grandes, como São Paulo, o caminhão roda, em média, 70 km por dia. O da Drogasil roda 40 km, o do Magazine Luiza roda 70 km e o da Ambev, 60 km. Nosso caminhão tem 200 km de autonomia e pode ser recarregado à noite, por exemplo. Por isso, o caminhão urbano a diesel vai acabar. No caso do carro, a equação é bem mais complexa. Porém, há outras formas de incentivo que não custam nada. Em várias cidades da China, como Xangai, a zona azul é permitida apenas para elétricos. E já há estacionamentos que não aceitam receber veículos com motor a combustão.

A aceleração da digitalização ajudou a vender mais caminhões elétricos?

Sim. Nosso caminhão é usado no que a gente chama de entrega de última milha. Isso também vale para vans e outros veículos de carga. Já um caminhão grande a bateria não faz sentido. Nesse caso, para ir de Porto Alegre a São Paulo com 40 toneladas, ele teria de carregar 15 toneladas só de baterias. O modelo urbano carrega menos peso e mais volume. Em termos de emissões, um caminhão a diesel emite o equivalente a dez carros. Portanto, se você trocar todos os caminhões urbanos por elétricos, haverá um grande progresso.

O veículo elétrico é muito mais caro do que o a diesel. Como fechar essa conta?

Por enquanto, a conta não fecha. O litro do diesel custa R$ 5 no Brasil e R$ 11 na Europa. Então, lá é vantajoso. Aqui, para valer a pena o caminhão teria de rodar 120 mil km por ano. Como o urbano roda pouco, você vai levar cinco, seis anos para pagar a diferença de preço. Na Europa também há a taxa de emissão de carbono. Mesmo a operação brasileira de empresas europeias entra na composição do volume total de emissões. Ou seja, se a filial aqui ou nos EUA emitir carbono, a matriz terá de pagar a taxa. O consumidor também exige redução das emissões de CO2, o acionista sofre pressão e os governos criam regras para que isso aconteça. O (fundo de ações) BlackRock tem 12 vezes o tamanho da Bolsa brasileira em propriedade de empresas. E informou que vai sair das que não tenham plano consistente de redução de emissões. A JBS, por exemplo, sofre grande pressão nos EUA porque vende carne, que é um produto não muito ecológico. Então, é importante que sua frota tenha caminhões elétricos. A Ambev informou que, em cinco anos, deixará de emitir CO2 em todas as suas operações de logística. No Brasil, são vendidos cerca de 12 mil caminhões urbanos por ano. Em cinco ou seis anos, quase metade vai ser elétrica. Com a queda da demanda, o valor do usado a diesel vai despencar. Por outro lado, o valor residual do elétrico usado vai subir muito.

A alta nas vedas da JAC tem a ver com práticas de ESG?

Sem dúvida. As empresas sofrem enorme pressão, sobretudo as europeias e americanas. Porém, isso afeta o mundo todo. A Magalu, por exemplo, é brasileira, mas têm ações em Nova York. Não conseguimos entregar todos os caminhões vendidos para a JBS. O diretor de logística contou que perdeu a parte do bônus anual dele que está ligada à realização do cronograma de redução de emissões. Ou seja, é outra empresa brasileira que tem ações concretas nesse sentido.

Qual mensagem o sr. enviaria ao jovem Sergio em início de carreira?

Eu diria: “Cuidado com os investimentos. Não se endivide muito para investir.” Seja como for, sou brasileiro e acredito bastante no País. Boa parte do meu sucesso tem a ver com o fato de eu gostar do que faço. Além disso, é mais fácil ter sucesso nos negócios se você tiver uma esposa companheira. Costumo dizer que a minha mulher é vela, não é âncora. Ela me leva para frente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.