O pregão pode ser dividido, grosso modo, em duas etapas. Pela manhã, houve muita volatilidade e trocas de sinais. O dólar iniciou os negócios em queda e desceu até a mínima de R$ 5,5802, esboçando acompanhar a recuperação parcial dos ativos de risco, que haviam tombado na sexta-feira com a notícia da nova variante do coronavírus, identificada na África do Sul. A leitura preliminar é a de que, embora mais transmissível, a Ômicron não resultará em um aumento dos casos graves da doença.
O alívio, contudo, durou pouco e logo a moeda americana ganhou força, trocou de sinal e correu até a máxima de R$ 5,6397. Parte do mau humor foi atribuída ao cancelamento das festas da virada de ano em Salvador (BA), por conta da Ômicron – um prenúncio de que a atividade pode sofrer novamente com medidas restritivas. Também rondavam as mesas de operação rumores de que o governo não descartava lançar mão do estado de calamidade para pôr em pé o Auxílio Brasil caso a PEC dos Precatórios empaque no Congresso.
Depois de muito chacoalhar pela manhã, o dólar à vista se fixou em terreno positivo ao longo da tarde, sempre acima do patamar de R$ 5,60. No fim da sessão, era cotado a R$ 5,6097, em alta de 0,25%. Apesar de dois pregões consecutivos de valorização, a moeda americana ainda recua 0,64% em novembro e pode interromper uma sequência de dois meses de forte alta (3,67% em outubro e 5,30% em setembro).
Se na sexta-feira o real, embora tenha se depreciado, apresentou um desempenho melhor que seus pares emergentes, hoje a moeda brasileira foi destaque negativo, já que o dólar caiu tanto em relação ao peso mexicano quanto ao rand sul-africano. O índice DXY – que mede a variação do dólar frente a seis moedas fortes – se recuperou das perdas de sexta e trabalhou em alta firma, na casa dos 93,369 pontos.
O líder de renda fixa e produtos de câmbio da Venice Investimentos, André Rolha, observa que o real chegou a acompanhar a melhora dos mercados pela manhã, mas que os investidores retomaram posições defensivas, levando o dólar para cima de R$ 5,60 à espera votação da PEC dos Precatórios. “O fato de a moeda brasileira não acompanhar seus principais pares, como o peso e o rand sul-africano, significa que o mercado pode estar se antecipando a qualquer coisa negativa amanhã na votação da PEC”, diz Rolha, acrescentando que a agenda é carregada aqui e lá fora, com divulgação do PIB no Brasil no terceiro trimestre na quinta-feira (02) e do relatório de emprego nos Estados Unidos (payroll) na sexta-feira (03).
Dados os problemas domésticos e a perspectiva de um dólar forte no exterior, em razão dos indicadores positivos da economia americana, Rolha não vê motivos para taxa de câmbio retornar para uma banda entre R$ 5,40 e R$ 5,50 no curto prazo. O mais provável, diz o especialista, é que o dólar siga numa faixa entre R$ 5,55 e R$ 5,60, podendo alcançar os R$ 5,70. “O ambiente local continua muito perturbado e pode haver demanda por dólar lá fora como proteção. Devemos ter uma semana de bastante volatilidade”.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse, hoje à tarde, que a PEC dos Precatórios, caso aprovada amanhã na CCJ, deve ir ao plenário da Casa na quinta-feira (2). Pacheco acredita que será mantido no texto a mudança do cálculo do teto de gastos e o limite para o pagamento de precatórios, abrindo “muito espaço fiscal” para o Auxílio Brasil.
Mais cedo, o secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, disse que o governo acredita na aprovação da PEC e, por isso, não trabalha com plano B. Segundo Valle, a definição do Orçamento de 2022 vai diminuir as dúvidas do mercado sobre a política fiscal no ano que vem. O secretário afirmou ainda que, com a PEC, o governo terá “margem de manobra” para lidar como uma eventual nova onda da covid-19.
Dados divulgados hoje à tarde mostraram que as contas do Governo Central – que reúnem Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central – registraram superávit primário de R$ 28,195 bilhões em outubro, acima da mediana de Projeções Broadcast (R$ 26,150 bilhões) e o melhor resultado para o mês desde 2016.
O gerente de derivativos H.Commcor, Cleber Alessie, vê a PEC dos Precatórios como um ponto de alerta, mas acredita que os investidores estão mais sensíveis, neste momento, aos eventuais desdobramentos da disseminação da Ômicron. Ele nota que, por ora, o nível de R$ 5,60 tem atraído vendedores ao mercado de câmbio doméstico, o que, ao lado dos juros mais altos, ajuda a dar alguma sustentação ao real.
“Mas se a nova cepa do coronavírus se mostrar mais perigosa do que a leitura que o mercado tem hoje, o dólar pode subir ainda mais”, diz Alessie, que chama a atenção para os discursos do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, ao longo desta semana. “Vamos ver se o Fed vai mudar o discurso sobre o ritmo de redução de estímulos com o surgimento da nova variante”, afirma.