Em baixa desde a manhã, em linha com as demais divisas emergentes, na esteira de mais corte de juros na China, o dólar à vista acelerou as perdas ao longo da tarde e chegou a romper o piso psicológico de R$ 5,40, em sintonia com nova máxima da bolsa. Na mínima, a moeda tocou R$ 5,3795 (menor valor intraday desde 4 de outubro), com operadores notando ordens de zeragem de posições.
A divisa até esboçava encerrar o dia abaixo de R$ 5,40, mas reduziu a queda no fim do pregão, com a aceleração do índice DXY – que mede a variação do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – para a casa dos 95,700 pontos, sobretudo por conta dos ganhos em relação ao euro.
No fim do dia, o dólar recuava 0,90%, a R$ 5,4165 – menor valor de fechamento desde 11 de novembro (R$ 5,4042). A queda acumulada nos últimos dois dias é de 2,65%. Graças ao tombo recente, a moeda agora registra perdas de 2,86% em janeiro. Ao lado do rand sul-africano, o real liderou nesta quinta o pelotão de ganhos de divisas emergentes em relação à moeda americana. Na B3, o dólar futuro para fevereiro recuou 0,39%, a R$ 5,43350, com giro de US$ 13,5 bilhões.
“O fluxo para a bolsa já vinha positivo desde o começo de janeiro, mas tem acelerado nos últimos dias com o efeito da China, que quer sustentar um certo crescimento. Isso tira uma percepção de risco maior que havia se criado em relação a emergentes, já que gera fator positivo de demanda por bens e commodities”, afirma o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima, ressaltando que os ativos locais estavam bem atrativos quando cotados em dólares.
Depois de reduzir a taxa de médio prazo (MLF) no início desta semana, o Banco do Povo da China (PBoC, o banco central chinês) cortou nesta quinta suas taxas de juros de referência (LPRs) para empréstimos de curto e longo prazos.
Lima também observa que há certa acomodação do mercado à expectativa do processo de normalização da política monetária pelo Federal Reserve, que acenou com início da alta de juros em março e comentou que pretende iniciar a redução de seu balanço patrimonial neste ano. “Já se sabe mais ou menos o que o Fed vai fazer. Talvez tenha até se exagerado um pouco na precificação da alta de juros. Agora, o mercado está se acomodando”, diz.
O estrategista-chefe da Renascença DTVM, Sérgio Goldenstein, nota que houve uma forte redução das posições compradas em dólar (que ganham com a alta da moeda) de estrangeiros na B3 (cerca de US$ 7 bilhões), de 5 de janeiro para cá. “Essa redução em poucos dias é bastante significativa e está por trás da boa performance do real em janeiro”, afirma Goldenstein, no Twitter. “Com a Selic mais alta, o carrego negativo do hedge na moeda começa a pesar mais”.
Por ora, a onda de recuperação de divisas emergentes, dada a valorização das commodities, se sobrepõe às preocupações fiscais domésticas, com as pressões de funcionalismo por reajuste salarial em meio à espera pela sanção presidencial ao Orçamento de 2022, cujo prazo final é a sexta-feira.
Lima, da Western, observa que, levando em conta os fundamentos, é possível pensar em uma apreciação adicional da moeda brasileira. Ele chama a atenção, contudo, para as “idiossincrasias locais”, como a corrida eleitoral para a presidência da República. “A taxa de câmbio ainda está em um nível depreciado e pode ir mais para baixo, pelos fundamentos. Mas não dá para descartar a volatilidade com o quadro doméstico e até por uma piora lá de fora, que não está afastada”, diz.
Em evento promovido pelo banco Santander, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que a “polarização da eleição já afeta um pouco a volatilidade de câmbio”, mas que o BC está preparado para agir se necessário. “Mas não achamos que volumes preestabelecidos de intervenção no câmbio são uma boa solução”, disse Campos Neto.
Como programado, o BC realizou nesta quinta leilão de swap cambial para rolagem dos vencimentos de março e colocou a oferta total de 17 mil contratos, com valor de US$ 850 milhões.