Hoje, a renda de Carolina, que continua procurando emprego, vem de um bico que conseguiu na montagem de lanternas para motos – trabalho que faz de casa, normalmente das 8 horas até meia noite. Para cada milheiro de peças, ela ganha R$ 80. No mês, quando tudo corre bem, acaba tirando cerca de R$ 1,5 mil.
Desse valor, R$ 700 vão para o aluguel da casa em que mora com a filha. “O problema é que essa renda é instável. Hoje você trabalha, mas amanhã pode não ter nada. Então, fica muito difícil”, diz Carolina. Segundo ela, às vezes, o que ganha mal dá para pagar as contas do dia a dia. E, nessas horas, tem de recorrer à ajuda da mãe.
A dificuldade de Carolina é igual a de outros milhares de brasileiros que estão desempregados. No Brasil, são mais de 3,7 milhões de pessoas sem emprego há mais de dois anos, o que representa 26% dos desocupados (em 2015, era 17%), segundo um levantamento feito pela Tendências Consultoria Integrada. Esse cenário é ainda mais perverso nas classes D e E, que respondem por 81% desse grupo de pessoas que estão há mais de 48 meses sem trabalho formal.
“A participação dos mais pobres no desemprego de longo prazo é superior à participação desses próprios domicílios na pirâmide social (65,7% conforme a PNAD)”, diz o economista Lucas Assis, responsável pelo levantamento. Os desempregados de longo prazo das classes D e E crescem bem acima das demais classes, elevando ainda mais a desigualdade no País. Entre 2015 e 2021, o número de pessoas sem emprego há mais de dois anos nas classes D e E avançou 173%; na classes C, 86%; na B, 53%; e na A, caiu 37%.
Capital humano
Na avaliação de Assis, o prejuízo desse quadro é enorme e representa uma perda de capital humano importante para o País. “Ficar tanto tempo desempregado significa desaprender tarefas, ficar desatualizado em relação às novas práticas e ter dificuldade em ser tão produtivo quanto antes”, diz o economista. No final das contas, isso representa reduzir o potencial de crescimento da economia no médio e longo prazo.
Pior: esse cenário aos poucos fica quase que irreversível, destaca o diretor do FGV Social, Marcelo Neri. Ao perder a qualificação e ficar mais desatualizado, o trabalhador reduz consideravelmente a chance de se recolocar no mercado comparado a alguém que está há menos tempo desempregado. “É uma situação preocupante. Parece que, quem cai no desemprego, fica no desemprego e não sai mais.” Segundo ele, a última vez que tivemos um cenário semelhante foi em 1998, com uma sequência de crises, como a da Rússia, asiática e argentina. “Agora, estamos vivendo a mesma situação, com a pandemia e a guerra (na Ucrânia).”
A perda de capital humano, segundo especialistas, é algo irreparável para um País, que precisa de mão de obra para retomar o caminho do crescimento. O problema é que não há muitos sinais de que isso irá mudar no ritmo necessário para o bem-estar da população.
Segundo o economista VanDyck Silveira, presidente da Trevisan Escola de Negócios, para conseguir absorver todas as pessoas que entram no mercado de trabalho a cada ano seria necessário ter um crescimento anual de 3%. “Mas, nos últimos 40 anos, a economia brasileira teve um avanço médio de 1,5% ao ano.” Ou seja, o Produto Interno Bruto (PIB) não avança nem o suficiente para atender aos novos entrantes, quanto mais para recolocar os desempregados.
Na prática, isso significa que o Brasil está mais pobre. Exemplo disso é que, em dólar, o PIB per capita do País caiu 47% nos últimos 12 anos, diz Silveira. “Hoje, vivemos uma situação em que há um contingente enorme de jovens que não trabalham nem estudam e outra classe de trabalhadores que perderam o emprego, não conseguem se recolocar e não são reaproveitados.”
Marcelo Neri destaca que tudo piorou para os mais pobres. A inflação está mais alta, o que corrói a renda, e o desemprego está elevado e duradouro. Nesse cenário, os juros estão subindo para conter a alta de preços e podem afetar investimentos, atrasando a recuperação mais rápida do mercado de trabalho.
Apesar da melhora verificada nos indicadores de desemprego nos últimos meses, a desigualdade no emprego aumentou. Segundo Lucas Assis, da Tendências, a qualidade das vagas é pior e o número de subocupados, maior. Esse grupo de trabalhadores são aqueles que têm jornada inferior a 40 horas semanais, mas gostariam de trabalhar mais tempo e estão disponíveis.
“As condições se deterioraram. Quem consegue emprego, consegue com remuneração mais baixa comparado ao passado, o que explica a renda na mínima história.” Na avaliação dele, é preciso criar uma agenda urgente para a recuperação do emprego, sobretudo entre os mais jovens. “Políticas de treinamento e qualificação serão necessárias para reinserir essas pessoas ao mercado de trabalho.”
Administradora de empresa vive de bicos há dois anos
Formada em administração de empresas e engenharia de produção, Marilisa Salvi, de 57 anos, está desempregada há dois anos, apesar de procurar incansavelmente por uma oportunidade. Sem chances no mercado, ela foi obrigada a mudar para a casa da irmã para reduzir as despesas. Hoje, vive de bicos. “Ajudo no salão de beleza, faço artesanato e agora estou apostando na abertura de uma loja online para a venda de roupas”, conta Marilisa.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.