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81% dos desempregados há mais de 2 anos são das classes D e E

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Estadão Conteúdos

O último registro de emprego em carteira de Carolina Cristina dos Santos, de 30 anos, foi há quatro anos como promotora de vendas. De lá para cá, ela tem sobrevivido de bicos. No começo, depois de muitas negativas das empresas na busca por uma recolocação, ela passou a fazer trabalhos em eventos. Pegava o que aparecia. Mas aí veio a pandemia, os trabalhos desapareceram e ela teve de correr atrás de outra alternativa para colocar comida dentro de casa e sustentar a filha de 11 anos.

Hoje, a renda de Carolina, que continua procurando emprego, vem de um bico que conseguiu na montagem de lanternas para motos – trabalho que faz de casa, normalmente das 8 horas até meia noite. Para cada milheiro de peças, ela ganha R$ 80. No mês, quando tudo corre bem, acaba tirando cerca de R$ 1,5 mil.

Desse valor, R$ 700 vão para o aluguel da casa em que mora com a filha. “O problema é que essa renda é instável. Hoje você trabalha, mas amanhã pode não ter nada. Então, fica muito difícil”, diz Carolina. Segundo ela, às vezes, o que ganha mal dá para pagar as contas do dia a dia. E, nessas horas, tem de recorrer à ajuda da mãe.

A dificuldade de Carolina é igual a de outros milhares de brasileiros que estão desempregados. No Brasil, são mais de 3,7 milhões de pessoas sem emprego há mais de dois anos, o que representa 26% dos desocupados (em 2015, era 17%), segundo um levantamento feito pela Tendências Consultoria Integrada. Esse cenário é ainda mais perverso nas classes D e E, que respondem por 81% desse grupo de pessoas que estão há mais de 48 meses sem trabalho formal.

“A participação dos mais pobres no desemprego de longo prazo é superior à participação desses próprios domicílios na pirâmide social (65,7% conforme a PNAD)”, diz o economista Lucas Assis, responsável pelo levantamento. Os desempregados de longo prazo das classes D e E crescem bem acima das demais classes, elevando ainda mais a desigualdade no País. Entre 2015 e 2021, o número de pessoas sem emprego há mais de dois anos nas classes D e E avançou 173%; na classes C, 86%; na B, 53%; e na A, caiu 37%.

Capital humano

Na avaliação de Assis, o prejuízo desse quadro é enorme e representa uma perda de capital humano importante para o País. “Ficar tanto tempo desempregado significa desaprender tarefas, ficar desatualizado em relação às novas práticas e ter dificuldade em ser tão produtivo quanto antes”, diz o economista. No final das contas, isso representa reduzir o potencial de crescimento da economia no médio e longo prazo.

Pior: esse cenário aos poucos fica quase que irreversível, destaca o diretor do FGV Social, Marcelo Neri. Ao perder a qualificação e ficar mais desatualizado, o trabalhador reduz consideravelmente a chance de se recolocar no mercado comparado a alguém que está há menos tempo desempregado. “É uma situação preocupante. Parece que, quem cai no desemprego, fica no desemprego e não sai mais.” Segundo ele, a última vez que tivemos um cenário semelhante foi em 1998, com uma sequência de crises, como a da Rússia, asiática e argentina. “Agora, estamos vivendo a mesma situação, com a pandemia e a guerra (na Ucrânia).”

A perda de capital humano, segundo especialistas, é algo irreparável para um País, que precisa de mão de obra para retomar o caminho do crescimento. O problema é que não há muitos sinais de que isso irá mudar no ritmo necessário para o bem-estar da população.

Segundo o economista VanDyck Silveira, presidente da Trevisan Escola de Negócios, para conseguir absorver todas as pessoas que entram no mercado de trabalho a cada ano seria necessário ter um crescimento anual de 3%. “Mas, nos últimos 40 anos, a economia brasileira teve um avanço médio de 1,5% ao ano.” Ou seja, o Produto Interno Bruto (PIB) não avança nem o suficiente para atender aos novos entrantes, quanto mais para recolocar os desempregados.

Na prática, isso significa que o Brasil está mais pobre. Exemplo disso é que, em dólar, o PIB per capita do País caiu 47% nos últimos 12 anos, diz Silveira. “Hoje, vivemos uma situação em que há um contingente enorme de jovens que não trabalham nem estudam e outra classe de trabalhadores que perderam o emprego, não conseguem se recolocar e não são reaproveitados.”

Marcelo Neri destaca que tudo piorou para os mais pobres. A inflação está mais alta, o que corrói a renda, e o desemprego está elevado e duradouro. Nesse cenário, os juros estão subindo para conter a alta de preços e podem afetar investimentos, atrasando a recuperação mais rápida do mercado de trabalho.

Apesar da melhora verificada nos indicadores de desemprego nos últimos meses, a desigualdade no emprego aumentou. Segundo Lucas Assis, da Tendências, a qualidade das vagas é pior e o número de subocupados, maior. Esse grupo de trabalhadores são aqueles que têm jornada inferior a 40 horas semanais, mas gostariam de trabalhar mais tempo e estão disponíveis.

“As condições se deterioraram. Quem consegue emprego, consegue com remuneração mais baixa comparado ao passado, o que explica a renda na mínima história.” Na avaliação dele, é preciso criar uma agenda urgente para a recuperação do emprego, sobretudo entre os mais jovens. “Políticas de treinamento e qualificação serão necessárias para reinserir essas pessoas ao mercado de trabalho.”

Administradora de empresa vive de bicos há dois anos

Formada em administração de empresas e engenharia de produção, Marilisa Salvi, de 57 anos, está desempregada há dois anos, apesar de procurar incansavelmente por uma oportunidade. Sem chances no mercado, ela foi obrigada a mudar para a casa da irmã para reduzir as despesas. Hoje, vive de bicos. “Ajudo no salão de beleza, faço artesanato e agora estou apostando na abertura de uma loja online para a venda de roupas”, conta Marilisa.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.