A Facily atua como um hipermercado digital, vendendo alimentos e produtos de limpeza por meio de um app. Para diminuir custos, a startup entrega as mercadorias em pontos de retirada, locais estratégicos onde o próprio cliente busca as compras. A cadeia simplificada atraiu investimento.
Em novembro e dezembro de 2021, a companhia levantou US$ 385 milhões – a captação fez a Facily fechar o ano atrás apenas de nomes como Nubank e QuintoAndar. Com o caixa cheio, a startup iniciou um plano de contratação.
Na época dos aportes, Diego Dzodan, CEO da companhia, dava pistas sobre o crescimento da companhia. “Com os novos investimentos recebidos, a empresa irá focar na eficiência logística para acelerar as entregas dos pedidos realizados na plataforma, além de trabalhar na expansão nacional da empresa”, escreveu, em nota.
Porém, quatro meses depois, entre 18 e 19 de abril, vieram os cortes. A companhia tinha o objetivo de enxugar cerca de 60% da folha de pagamento. Entre 300 e 400 funcionários diretos foram dispensados, segundo informações extraoficiais. Embora a Facily não abrisse publicamente o tamanho do seu quadro de funcionários, a companhia tinha entre 800 e 900 pessoas.
Entre os terceirizados, os cortes começaram em março. Contratada pela Facily, a i9 Xperience Center prestava serviços de atendimento e suporte logístico e tinha cerca de mil pessoas trabalhando diretamente com a startup.
Na i9, cerca de 900 pessoas ficaram sem trabalho por conta do corte de gastos – 700 delas estão em um grupo de emails para pessoas com contrato pessoa jurídica que circulava informações sobre a relação da i9 com a Facily. Os funcionários da terceirizada estimam ainda que cerca de 200 pessoas em regime CLT também se dedicavam ao trabalho.
Por e-mail, Dzodan afirmou à reportagem que os cortes foram realizados por uma “repriorização” de projetos. “Até o final do ano passado, o cenário brasileiro era diferente e promissor, mas assim que entramos em 2022 já vimos que o cenário, a contenção e os avanços seriam diferentes e mais cautelosos por todos. Inclusive por conta das altas taxas de juros, a instabilidade política e social que abalou mercados e investidores de todo o mundo”, escreveu ele.
Ele não confirmou quantos funcionários foram cortados
nem o tamanho da redução na folha de pagamentos. Segundo ele, todas as áreas foram “reorganizadas de acordo com a repriorização dos projetos”.
Porém, para ex-funcionários, que falaram ao Estadão na condição de anonimato (a reportagem conversou com 11 ex-empregados), havia sinais de que a companhia não tinha se planejado para o novo momento. Entre eles, estavam sobrecargas nos sistemas de pagamento, desencontros de informações e problemas nas cadeias logísticas – isso sem contar as reclamações de clientes.
Os ex-funcionários dizem que as demissões se distribuíram em vários níveis e setores. Porém, o que chamou mais a atenção foi a dispensa de cerca de 150 funcionários do time de tecnologia, na contramão do mercado atual de startups.
Dzodan refutou a ideia de mau planejamento: “Contratamos conforme o planejamento organizacional. Os cenários nacionais e globais vão mudando e, automaticamente, projetos vão sendo repriorizados”.
PROBLEMAS. Fundada em 2018, a Facily é também um social commerce, modelo no qual usuários com interesses em comum juntam-se em grupos para ganhar descontos. Por fim, ainda buscando reduzir preços, a companhia funciona como um marketplace, onde varejistas e produtores podem vender diretamente ao consumidor, pulando intermediários e fornecedores da cadeia de suprimentos.
A cadeia simplificada atraiu investidores, mas o crescimento da startup foi acompanhado de problemas. “Nesse processo, a infraestrutura ficou para trás”, disse um dos ex-funcionários que falou ao Estadão. Erros de sistema, por exemplo, se tornaram comuns e obrigaram a Facily a cancelar milhares de pedidos nos últimos meses.
Com frequência, conta outro ex-funcionário, era possível ver informações incorretas sobre pedidos na plataforma. Em alguns casos, os pedidos apareciam como “enviados” nos sistemas de lojistas e “cancelados” no sistema da startup – a inconsistência de informações fazia com que os pedidos não saíssem do lugar.
Sobre os pedidos cancelados e problemas na cadeia de distribuição, Dzodan afirma que a Facily está passando por uma reestruturação para continuar crescendo. Sobre as reclamações de entregas, ele afirma: “Temos investido fortemente para melhorar nossos processos e garantir que todos os nossos clientes sejam atendidos. Implementamos processos de controle, novas ferramentas de atendimento ao consumidor e estrutura logística para garantir agilidade nas entregas”.
PROCON. Com 211 mil reclamações, a empresa foi a líder no ranking do Procon-SP em 2021. Em dezembro do ano passado, a Facily afirmou que a marca foi resultado de seu rápido crescimento.
Os problemas começaram em maio de 2021, quando as reclamações sobre produtos não entregues ou pagamentos não feitos começaram a chegar em massa ao órgão de defesa do consumidor. Naquele mês, a Facily foi alvo de 2.068 mil queixas, ante 223 no mês anterior. A partir daí, o número disparou. O ápice foi em outubro, com 59 mil queixas.
Em novembro, a Facily firmou um acordo com o órgão para, em 30 dias, diminuir em até 80% as queixas registradas. Ao Estadão, Guilherme Farid, diretor executivo do Procon-SP, afirmou que o acordo assinado não foi cumprido na íntegra e que o órgão vai encaminhar o caso. A Facily poderá receber uma multa de até R$ 12 milhões. Em 2022, já são 34,3 mil queixas.
GARGALO. As falhas nos sistemas também geraram desgaste com os lojistas da plataforma. A cada venda, a Facily fica com 10% do valor ou com uma taxa mínima, que varia de produto para produto. Os repasses são feitos por meio de um sistema da própria startup.
Segundo fontes ouvidas pela reportagem, alguns estabelecimentos decidiram encerrar a parceria com a Facily por falta de pagamentos.
O site da Facily informa que os pagamentos são feitos sempre dez dias após o fechamento do mês de vendas, mas ex-funcionários contam que há gargalos no sistema de repasses, que só teria três profissionais para realizar as análises.
Sobre os supostos débitos e a operação do sistema de pagamentos, Dzodan disse desconhecer as informações.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.