Já em queda antes do comunicado da decisão do Fed e da entrevista coletiva de Powell, o dólar aumentou o ritmo e renovou sucessivas mínimas nas últimas horas de negócios, chegando a romper o piso de R$ 5,25, ao descer até R$ 5,2428. No fim da sessão, a moeda recuava 1,84%, cotada a R$ 5,2509 – menor valor de fechamento desde 30 de junho (R$ 5,2348). O real, que costuma apanhar mais que seus pares em episódios de aversão ao risco, hoje liderou com folga os ganhos frente ao dólar entre divisas emergentes e de países exportadores de commodities.
Foi o terceiro pregão seguido de baixa do dólar no mercado doméstico, que agora acumula perdas de 4,51% na semana. A valorização em julho, que chegou a superar 5% no fim da semana passada, passou a ser de apenas 0,31%. Operadores notam que já estava em curso no últimos dias uma redução de posições defensivas no mercado futuro de câmbio, dada a proximidade da formação da última Ptax de julho (dia 29) e a rolagem dos contratos que vencem em agosto.
Esse movimento, embalado por uma recuperação de preços de commodities, se acentuou hoje com o rali de ativos de risco. Como esperado, o BC americano anunciou alta da taxa básica em 75 pontos-base, para a faixa de 2,25% e 2,50%, e adiantou, em seu comunicado, que o ciclo de elevação dos juros prossegue. O Fed reconheceu que a atividade mostra sinais de moderação, mas pontuou que o mercado de trabalho segue robusto.
Mas o que mexeu de fato com os preços dos ativos foram as declarações de Powell em entrevista coletiva após o comunicado. “Atingimos uma faixa de juros que acreditamos ser neutra”, afirmou o chairman. Daqui para frente, pontuou, a política monetária precisa ficar “ao menos moderadamente restritiva”. Provavelmente, acrescentou, será apropriado moderar o ritmo de alta de juros. Leia-se: não deve haver nova elevação em 75 pontos-base no próxima reunião de política monetária. Powell, contudo, evitou se comprometer com um forward guidance. “Achamos que é hora de decidir de reunião por reunião e não fornecer o tipo de orientação clara que fornecemos no caminho para os juros neutros”. Ausente da ata do encontro anterior do BC americano, a palavra recessão apareceu na fala de Powell, para quem tal cenário é inconsistente com os indicadores econômicos, em especial o mercado de trabalho.
O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, afirma que a fala de Powell, com a revelação de que o juro já chegou ao patamar neutro na visão do Fed, sugere que a taxa básica americana não vai tão longe. “O mercado estava muito pessimista com o juro terminal entre o fim de maio e junho por conta da inflação muito elevada. E agora está corrigindo essa expectativa. O juro não deve passar de 3,5%”, afirma Velho. “A não ser que haja uma surpresa muito negativa com a inflação, que parece já ter feito pico, o Fed deve subir os juros em 50 pontos na próxima reunião”.
O economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso, também chama a atenção para a fala de Powell de que os juros estão perto do nível neutro, após a rodada de alta recente. “A interpretação é de que estão próximos da taxa nominal neutra estimada por eles e que, em um horizonte não muito longe, os ajustes serão moderados. Ainda que parte da justificativa para tanto seja negativa, um medo de recessão, os mercados gostaram”, afirma Caruso, em nota. “A fala soa para os ativos financeiros como um flerte com o velho jeito de ser dos bancos centrais desenvolvidos, que passaram quase 15 anos injetando liquidez e sustentando a tomada de risco”.
Lá fora, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – apresentou forte queda e tocou mínima na casa abaixo dos 106,300 pontos, com perda de quase 1% da moeda americana frente ao euro, muito castigado nas últimas semanas. A taxa dos Treasuries de 2 anos, mais ligados às apostas para o ciclo de alta dos juros, caiu mais de 2%, passando a trabalhar abaixo da linha de 3%.
Velho, da Trust, classifica o movimento de hoje dos ativos de risco, em especial do dólar, como um ajuste à nova perspectiva para o ciclo total de alta de juros. Não está descartada a possibilidade, diz, de um trimestre de queda do PIB americano entre o fim deste ano e o começo de 2023, o que pode ensejar uma correção nos mercado acionários americanos e, por tabela, afetar os ativos brasileiros.
“A não ser que haja um movimento muito forte de apetite ao risco lá fora, o que não parece provável, não vejo o dólar voltando para o patamar de R$ 5”, diz Velho. “O lado doméstico ainda pesa muito. Está complicado do ponto de vista fiscal, já que os dois candidatos a presidente sinalizaram que vão manter os benefícios sociais no ano que vem”.