Organizadas em verbetes, as citações são frases de artistas, jornalistas e políticos, entre outros, que ganharam destaque no noticiário, além de clássicos da literatura, da ciência e da filosofia. As páginas trazem associações maliciosas, irônicas, maldosas, ou venenosas – para ficar na definição dos autores.
“Muito da maldade, ou do veneno, reside em se abduzirem as frases de seu local de origem: tirá-las de seu contexto original de forma maldosa, eis a receita, e os verbetes procuram auxiliar o leitor quando tiver a necessidade de praticar a arcana arte do envenenamento verbal ou escrito”, escrevem Franco e Giambiagi, na apresentação.
Se o estilo foi mantido, o cenário político, cultural e até sanitário – por que não? – do País é outro. “Onde tínhamos ‘contabilidade criativa’ e ‘pedaladas’, bem como a armazenagem do vento, agora temos outras esquisitices, como o ‘negacionismo’ e aquelas decorrentes da polarização política extrema, sem esquecer as vacinas que convertem seres humanos em jacarés”, diz outro trecho da apresentação.
‘Um país estressado’
A diferença aparece também no subtítulo de cada volume. No primeiro, era Um dicionário de citações, associações ilícitas e ligações perigosas. Agora é Epígrafes para um país estressado. Se o momento do País parece mais grave, para os autores, a ironia pode servir para “aguçar o senso de ridículo” dos exageros atuais, dialogando com “a realidade de um país nervoso, meio dilacerado em refeições familiares que terminam em gritos e palavras amargas de recriminação” e nos quais “todos ralham e ninguém mais se entende”.
Ao Estadão, Giambiagi disse que os dois contextos são muito ruins, mas o momento atual é pior. Em 2015, “havia uma situação econômica terrível”. O humor, então, “era uma forma de ajudar a nós e aos leitores a lidar com essas angústias do dia a dia”. Agora, continua o economista, “o buraco é mais embaixo”, porque o País “regrediu”.
“Primeiro, em termos políticos: naquela época se discutiu um impeachment dentro das quatro linhas do campo de jogo e agora estamos discutindo se o resultado das urnas será aceito, ou não, pelo perdedor. Segundo, em termos civilizatórios: antes lidávamos com as frases às vezes ridículas da (ex-presidente) Dilma (Rousseff) e agora estamos lidando com a barbárie, como a indiferença diante da morte de quase 700 mil pessoas, do desmatamento da Amazônia etc. E terceiro, em termos mentais: eu nasci aqui, mas fui para a Argentina com apenas 10 meses de idade e voltei com 14 anos. Em 46 anos de Brasil, nunca escutei tanta besteira como nos últimos quatro anos e nunca vi tantas pessoas desqualificadas emitindo opiniões absurdas sobre temas relevantes. Vale a frase citada no texto, do Augusto Frederico Schmidt, ‘o Brasil virou um país considerado idiota’. Isso entristece”, disse Giambiagi.
Verborragia de Guedes
Assim como no primeiro volume, Franco e Giambiagi não poupam os colegas economistas da ironia, mas, no segundo volume, chama a atenção a profusão de frases do ministro da Economia, Paulo Guedes. Questionado se o fato de Guedes – conhecido pela língua ferina – estar no comando da política econômica elevou a quantidade de veneno destilado contra os colegas economistas, Giambiagi citou um antigo político mineiro, sem dar nomes: “Criticar o governo é tão gostoso que não deveria ser privilégio da oposição”.
“Guedes levantava a bola com as frases dele, e a gente chutava em gol. Observe que no Maldades 1 havia apenas duas frases do Pedro Malan (ministro da Fazenda de 1995 a 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso) e ambas eram bem interessantes, uma delas aquela famosa de que aqui (no Brasil) ‘até o passado é incerto’. Por quê? Porque o Pedro foi um ministro que ficou oito anos no cargo e não cometeu um único deslize verbal”, disse Giambiagi.
No cenário atual, uma citação do jornalista Carlos Alberto Sardenberg, sobre os rumos do País diante das eleições gerais de outubro – “Não tem graça votar no Bolsonaro para derrotar o Lula e agora votar no Lula para derrotar o Bolsonaro” – é “um fiel retrato de época”, segundo Giambiagi. “Se você perguntasse aos eleitores de Bolsonaro em 2018 por que votavam nele, a resposta era: ‘Para não ter o PT no Poder’. E hoje a campanha do PT é para quê? Não para eleger uma proposta programática, pois esta é um mistério, e, sim, ‘para tirar o Bolsonaro do Poder’. O Sardenberg reportou uma realidade inegável, um dado da realidade”, afirmou o economista.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.