Ele é tataraneto dos fundadores da Gessy, os imigrantes italianos, o sapateiro Giuseppe Milani e o químico Ettore Manarini. Juntos, eles iniciaram a produção de sabonetes em Valinhos (SP), que veio a ser a fábrica José Milani & Cia. A partir de 1930, a marca Gessy passou a dar nome à empresa.
Tocalino e dois irmãos abriram a Clariq para colocar de pé novamente a marca criada pela família. A meta é ter um grande projeto de longo prazo. “Queremos trazer a Gessy de volta ao panteão dos negócios brasileiros”, afirma.
No passado, a marca chegou a ser líder de higiene pessoal, com quase 80% do mercado de sabonetes do País. Também se tornou a maior anunciante brasileira em rádio e TV. No começo da década de 1960, a empresa foi vendida pelos herdeiros das famílias dos fundadores para a multinacional Unilever, de produtos de consumo, e a marca Gessy foi junto. “Meu bisavô contava que esse foi, na época, o maior negócio privado da história do Brasil até então, fechado na sede do Citibank, em Nova York (EUA).”
Planejamento
Engenheiro químico por influência do bisavô, Tocalino, de 52 anos, concluiu a faculdade e foi trabalhar no exterior no segmento de petróleo. Mas a marca Gessy nunca saiu da sua cabeça e de seus irmãos.
Voltando ao País decidido a empreender, buscou informações sobre a situação da marca Gessy no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e constatou que ela não estava sendo usada. Por meio de processo administrativo aberto no INPI, a marca voltou há dois anos e meio para a família – sem restrições.
De acordo com a Lei de Propriedade Industrial (9279/1996), depois de registrada, a marca tem até cinco anos para ser colocada em uso. Passado esse período, o nome precisa ser usado ininterruptamente. Se não for usado por cinco anos, poderá ser alvo de processo de caducidade.
“A caducidade é uma forma legal de se obter o registro de uma marca em desuso, podendo ser essa marca muito famosa”, afirma o advogado Paulo Roberto Toledo Correa, especializado em propriedade intelectual e patentes, responsável processo da Gessy.
Segundo o advogado José Mauro Decoussau Machado, sócio da área de propriedade intelectual do escritório Pinheiro Neto Advogados, qualquer pessoa pode requisitar a caducidade de uma marca ao INPI, mediante processo, desde que comprove que ela não está sendo usada.
Após a marca ter sido comprovadamente reconhecida em desuso pelo órgão, a Gessy foi registrada pela empresa dos três tataranetos dos fundadores em várias classes de negócios no INPI, como insumos e fragrâncias, produtos de limpeza doméstica, farmácia, catálogos, por exemplo. Isso revela a extensão dos planos da família para o negócio que está surgindo.
“Estamos no processo de registro da classe 35, que é loja”, diz Tocalino. Mas ele pondera que a etapa de ter uma loja com a marca Gessy seria uma meta mais de longo prazo. Por ora, o foco é produtos de higiene pessoal, começando pelo sabonete em barra e, posteriormente, líquido.
Memória viva
Antes de colocar novamente o sabonete em barra no mercado, o empresário encomendou uma pesquisa para saber como andava a memória da marca e se surpreendeu com os resultados. A marca apareceu na lembrança de 53%, em média, dos brasileiros de todas as faixas etárias. Entre os mais velhos, acima de 50 e 60 anos, o índice beirou 80%. Isso explica o desempenho surpreendente de vendas do primeiro lote de sabonetes, sem publicidade.
“Vendemos milhões de sabonetes e ainda nem arranhamos a superfície”, diz Tocalino. Ele compara a força da marca, que na sua avaliação é “fortíssima” a um grande fóssil de um dinossauro. “Vamos cavar até achar o negócio.”
O plano da companhia não é ter uma planta industrial como os ancestrais da marca, mas trabalhar com fabricantes terceirizados. A Clariq fechou contrato de cinco anos com a gigante JBS para a produção do sabonete Gessy e poderá fazer o mesmo com outras indústrias para outros itens. “A Gessy é um escritório de negócios, de designer”, diz o empresário.
Ele não revela quanto os sócios aplicaram no negócio. “Para nós três, o investimento foi grande, mas não se tratam de milhões de dólares.” Tocalino observa que existem marcas que recebem investimentos de US$ 30 milhões logo no primeiro dia de operação. Mas esse não é o caminho escolhido pela família, que pretende ter um crescimento gradual e orgânico, sem perder o controle da marca.
No momento, ele conta que está se reunindo com potenciais investidores. Pelo fato de a marca já estar no mercado, com receita de vendas e recompra de clientes, diz, o risco do negócio diminui para o investidor e o valor da operação fica mais interessante.
Além de atrair investidores, por conta da marca forte, hoje a empresa está em fase de contratação de uma consultoria especializada para identificar a filosofia da marca Gessy. “Quando se fala em Natura, vem a ideia de natureza; quando se fala em Dove, hidratação”. Ele levanta as possibilidades de a Gessy vir a ser identificada como a marca da família, da mulher que trabalha, da profissional urbana. “É essa identidade que precisamos encontrar.”
Além da forte memória, na opinião de Tocalino, o resgate de marcas antigas desativadas é conveniente neste momento por causa de outros fatores. Ele observa que é muito difícil criar novas marcas porque, praticamente, todos os nomes foram registrados no INPI. Ao reativar uma marca que não está sendo usada é possível evitar riscos de conflito.
Jaime Troiano, sócio da Troiano Branding, um dos maiores especialistas em marcas, frisa que o custo de lançar uma marca nova é elevado por causa dos gastos com mídia. Nos seus cálculos, o desembolso feito pelo o uso de uma marca existente é pelo menos 30% menor em relação ao investimento necessário para se ter uma marca da estaca zero. Isso explicaria, na opinião do especialista, a onda de retomada de marcas antigas que vem ocorrendo no mercado.
Procurada pela reportagem, a Unilever não comentou o tema.