Eles foram “aconselhados” a ficar de fora da discussão. Essa sinalização ficou clara quando Guilherme Mello chegou ontem cedo ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do gabinete de transição em Brasília, e disse que a “PEC era com o Senado”.
O senador eleito Wellington Dias (PT-PI), destacado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para cuidar da articulação política da PEC, admitiu que os economistas estão apartados das conversas sobre o assunto, mas minimizou a ausência deles. “A missão do grupo de trabalho da economia é mais abrangente”, disse ele, ao Estadão.
Uma reunião de forma virtual do grupo estava marcada para ontem, antes da entrega da PEC ao Congresso, mas não ocorreu. Os quatro não têm dado entrevistas sobre o assunto nem participado das reuniões para debater o texto. A reportagem apurou que as questões apontadas por eles sobre a PEC não serão absorvidas.
A ausência da participação dos economistas na discussão da PEC segue incomodando os investidores, contribuindo para a piora de preços de ativos no mercado. Quando o quarteto foi anunciado, a expectativa era de que participasse das negociações. Daí, a frustração de agora.
Regra fiscal
Também não foi bem recebida a fala de Alckmin de que a “ancoragem fiscal” será debatida mais à frente – ou seja, a definição de uma nova regra fiscal vai ficar para 2023. Ele acrescentou que o novo governo vai trabalhar pela responsabilidade fiscal, mas os agentes econômicos querem ver os planos da equipe de Lula para garantir a sustentabilidade da dívida no médio e longo prazo.
“É muito impressionante que a opinião da área econômica seja irrelevante para discutir um volume de gastos que pode representar 83% da economia da reforma da Previdência com um gasto de R$ 175 bilhões (por ano)”, criticou o ex-secretário do Tesouro Jeferson Bittencourt, economista da gestora ASA Investments, antes de conhecer os detalhes da PEC. Ele lembra que a reforma previdenciária pretendia economizar entre R$ 800 bilhões e R$ 850 bilhões em dez anos.
Pelos seus cálculos, sem que haja um aumento considerável da carga tributária e adotando um cenário relativamente otimista, a dívida bruta ao fim do mandato de Lula estaria em cerca de 89% do PIB, ante estimativa de terminar em 75% neste ano.
“É incrível que, mesmo com vários especialistas alertando o novo governo para não cometer o erro do Reino Unido, essa transição está parecida em vários aspectos. A última é essa ausência do quarteto de economistas na discussão da PEC”, avaliou o economista-chefe da BlueLine, Fábio Akira. “Tirar os técnicos da discussão foi malvisto no Reino Unido e está pegando muito mal no Brasil”, disse.
Mercado apreensivo
A proposta do presidente eleito Luiz Inácio da Silva (PT) de retirar as despesas do Auxílio Brasil – que vai voltar a ser chamado de Bolsa Família – do teto de gastos sinalizou para os investidores do mercado financeiro que a aprovação de um novo arcabouço fiscal pode não acontecer até o fim do próximo governo. Essa foi justamente a preocupação do grupo de economistas da transição – André Lara Resende, Pérsio Arida, Guilherme Mello e Nelson Barbosa – transmitida aos negociadores políticos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.
Lula prometeu na campanha revogar o teto de gastos – regra que atrela o crescimento das despesas à inflação -, e o mercado aguarda uma sinalização do novo arcabouço fiscal. Só com a nova regra na mesa seria possível fazer as contas sobre a trajetória de sustentabilidade da dívida pública a médio e longo prazos, considerando a expansão de despesas prevista na PEC.
Os economistas da transição avaliam que é preciso indicar uma nova regra para garantir credibilidade à política econômica de Lula no início do governo, o que não poderia demorar tanto tempo. Essa credibilidade é importante para a política de juros do Banco Central (BC) e para a redução do custo de financiamento da dívida do próprio governo.
A LDO serve de base para a definição do projeto de Orçamento, e o governo é obrigado a enviá-la até o dia 15 de abril de cada ano. A posição na ala política é de que um prazo de pelo menos quatro anos para o Auxílio fora do teto daria clareza de que é possível rever o arcabouço fiscal no mandato. Até porque o crescimento real de certas despesas (como dos benefícios do INSS) vai consumindo o espaço aberto no teto ao longo do tempo.
Em 2024, o espaço do teto já começa a apertar, sobretudo com a perda de base em função do ajuste do IPCA, o indicador usado para balizar a regra. Uma fonte envolvida nas negociações diz que é preferível colocar até 2026 para dar um fôlego ao debate sobre as novas regras.
Entre especialistas da área fiscal no mercado, a avaliação é de que o espaço aberto com a retirada do Auxílio Brasil – se governo e Congresso forem comedidos no reajuste de salários do funcionalismo e do ganho real do salário mínimo – deve ser suficiente para chegar ao fim do mandato. Nesse caso, não haveria motivo para gastar capital político para aprovar uma nova PEC. A análise que é feita, porém, é a de que, se vierem a fazer, será porque querem ainda mais espaço para gastar além dos R$ 175 bilhões fora da regra do teto que devem ser pedidos para 2023.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.