Sinais de que a Rússia pode abandonar eventual plano de invadir a Ucrânia, após notícias de desmobilização parcial das tropas russas na fronteira entre os dois países, abriram espaço para uma redução dos prêmios de risco mundo afora, levando a uma rodada de enfraquecimento global da moeda americana. Apesar do tombo de commodities como minério de ferro e petróleo, o real brilhou novamente, figurando no grupo das divisas emergentes que mais se valorizaram – desempenho atribuído por analistas, em grande parte, à atratividade da renda fixa local, dada a expectativa de que a taxa Selic supere 12%.
Em queda desde a abertura dos negócios, a moeda chegou a operar momentaneamente na casa de R$ 5,16 no fim da manhã, quando registrou a mínima da sessão, a R$ 5,1667 (-0,99%). Depois de orbitar os R$ 5,18 ao longo da tarde, o dólar à vista terminou a sessão em baixa de 0,72%, a R$ 5,1807 – menor valor desde 6 de setembro de 2021, quando encerrou a R$ 5,1767. Após terminar janeiro com desvalorização de 4,84%, a divisa já acumula perdas de 2,36% em fevereiro.
O dólar já havia esboçado fechar abaixo do piso de R$ 5,20 nas últimas sessões, mas acabou se recuperando – seja por falas mais duras de dirigentes do Federal Reserve, em meio a leituras fortes de inflação nos EUA, seja pelo temor de invasão russa à Ucrânia. No pregão de hoje, o alívio nas tensões geopolíticas falou mais alto que o forte avanço da inflação ao produtor nos Estados Unidos em janeiro (PPI subiu 1%, o dobro do esperado por analistas) e que a cautela diante da divulgação, amanhã, da ata da mais recente reunião de política monetária do Fed.
Para o economista-chefe da Integral Group, Daniel Miraglia, o mercado já absorveu a perspectiva de que o Federal Reserve possa elevar a taxa de juros em 50 pontos-base em março e levá-la para cerca de 1,5% ainda neste ano. As atenções estarão mais voltadas, observa Miraglia, a sinais de em torno ritmo de redução do balanço patrimonial do BC americano – que significa, na prática, retirada de dinheiro do sistema. Ao longo dos próximos meses, o grande termômetro para saber o tamanho da alta de juros nos EUA é o comportamento das Treasuries mais longas. Um avanço do retorno da T-note de 10 anos para o patamar de 2,5% poderia ter impacto mais forte em ativos de risco, pondera o economista.
“O Fed deve dar em março uma resposta mais firme às pressões inflacionárias, mas dizer ainda que é ‘data dependent’ em relação ao grau de elevação dos juros. O mercado já precificou alta de 0,50 pontos base em março e vai ser mais sensível à questão do balanço”, afirma Miraglia, que, no caso brasileiro, vê pelo menos mais duas altas da taxa Selic – em 1 ponto porcentual em março e em 0,75 ponto em maio – para 12,50%.
Para Miraglia, a forte apreciação do real está muito ligada ao fluxo de capital de curto prazo, em meio a uma rotação global de portfólio. Ele prevê um aumento da volatilidade da taxa de câmbio a partir de abril ou maio, quando a corrida eleitoral vai “começar a fazer preço” no mercado. “Não acho que esse cenário tranquilo vai continuar. Nosso cenário base é de dólar a R$ 5,90 no fim do ano”, diz o economista.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes e é um bom termômetro do apetite ao risco – trabalhou hoje em queda firme, no limiar dos 96,000 pontos, sobretudo por conta das perdas frente ao euro. Entre os emergentes, dólar perdeu mais força em relação ao peso chileno, o real, por razões óbvias, o rublo.
Do lado político, sinais de que a PEC dos combustíveis apresentada no Senado – apelidada de PEC Kamikaze, por trazer possibilidade de renúncia fiscal superior a R$ 100 bilhões – pode não vingar ajudam a diminuir a percepção de risco. Há, contudo, perspectiva de votação de projetos relacionados aos preços de combustíveis amanhã no Senado. Um deles inclui uma conta de estabilização dos preços e a mudança do modelo de cobrança do ICMS sobre os combustíveis, mas com liberdade para cada governador definir a alíquota.
Economista e sócio da Golden Investimentos, Thomas Giuberti observa que, a despeito da queda da percepção global de risco, refletida no arrefecimento do índice DXY, e de um quadro fiscal interno razoável, o grande propulsor do real são as operações de carry trade (que exploram o diferencial de juros entre países). “Temos um grande fluxo de estrangeiro. Ninguém sabe quando o estrangeiro vai parar de alocar. O mercado já começa a especular com taxa de câmbio a R$ 5,10 ou R$ 5,00. Sem dúvida, o carry trade voltou”.