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Briga entre gigantes Usiminas e CSN esquenta com decisão do Cade

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Estadão Conteúdos

Depois de anos de trégua, a briga societária entre a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e sua concorrente Usiminas voltou a esquentar. No pano de fundo da disputa está um despacho publicado na semana passada pela Superintendência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que abre a possibilidade de a siderúrgica do empresário Benjamin Stenbruch voltar a comprar ações de sua concorrente, apesar de um veto dado pelo próprio Cade há oito anos. Na época, com frequentes idas ao mercado, a CSN acumulou uma participação de 17% na rival.

O despacho foi recebido como uma bomba na Usiminas, conforme fonte próxima ao caso, que há anos espera um movimento de venda de ações pela CSN, como já tinha sido decidido pelo órgão que vigia a concorrência ainda em 2014. Com o entendimento de que a investida da CSN na Usiminas era anticoncorrencial, o primeiro prazo estabelecido para a venda das ações foi de cinco anos. Ou seja, em 2019.

No entanto, o período expirou sem que CSN vendesse os papéis da siderúrgica mineira. Após um pedido feito pela CSN de extensão do prazo, a empresa ganhou mais três anos. Ou seja, o prazo se encerra agora. Mas a CSN não vendeu as ações, mesmo com os papéis alcançando um pico histórico durante a pandemia de covid-19.

De lá para cá, a CSN vendeu apenas uma parte de suas ações preferenciais, em 2020, deixando intacta sua posição nas ações ordinárias, que dão direito a voto. Hoje a participação é de aproximadamente 14% na Usiminas.

Agora, o despacho precisa passar pelo crivo do tribunal do Cade, o que em tese pode já ocorrer em reunião marcada para esta quarta-feira, 21. Ao contrário de outros casos que chegam ao regulador, os despachos têm trâmite próprio, com decisão rápida.

Usiminas se movimenta

Com pressa em resolver a situação, ao longo dos últimos dias representantes da Usiminas se reuniram com integrantes do Cade para explicar o contexto do caso, conforme atas de reuniões do próprio órgão. Um dos argumentos, explicou uma fonte próxima à situação, é que, ao contrário de outros setores, o mercado de aços planos é muito concentrado e com alta barreira de entrada.

Hoje, juntas, CSN e Usiminas detêm 70% de participação desse negócio. Ou seja: permitir que a CSN mantenha sua participação não é prejudicial apenas para a empresa, mas para todo o mercado. “O entendimento é de que essa decisão é ilegal. Uma reforma do regulamento não pode beneficiar quem não cumpre o que foi decidido pelo Cade”, definiu a fonte.

A CSN, dentro dessa visão, seria premiada por protelar ao máximo o cumprimento do acordo firmado. A Usiminas vai brigar ainda para que a CSN cumpra a decisão do Cade e venda as ações detidas de forma mandatória, conforme previsto no acordo original.

Nesta terça-feira, inclusive, a Usiminas ingressou com uma petição contra o despacho, apurou o Estadão. Um dos pontos que será apontado é que serão criados precedentes que serão prejudiciais ao mercado, como o incentivo a grandes empresas comprarem ações de concorrentes para terem acesso a informações privilegiadas, dentre outros pontos. A empresa pediu ainda que o órgão antitruste aplique a multa prevista pelo descumprimento do termo de compromisso assinado pela CSN, o que equivale a 15% do valor das ações detidas, ou R$ 120 milhões nos valores atuais.

O despacho da semana passada aponta que é preciso “verificar a conveniência” do acordo de 2014, por conta da “mitigação das preocupações concorrenciais” quando uma participação societária existe sem os direitos políticos cabíveis na empresa, tal como o direito de votar em assembleias. O documento diz ainda que o entendimento recente mudou, permitindo que empresas tenham participação maiores do que 5% em concorrentes. Cita como exemplo a compra de cerca de 33% da BRF pela rival Marfrig.

O que a Usiminas vai tentar mostrar é que se tratam de casos diferentes e que a presença da sua concorrente em seu capital vem sendo prejudicial à sua atuação. Um dos argumentos é de que, quando a Usiminas estava financeiramente estrangulada, flertando com a falência, a CSN se posicionou contra um aumento de capital necessário para dar fôlego à empresa. Além disso, entrou com diversas ações na Justiça contra a Usiminas ao longo dos últimos anos.

A CSN tem hoje dois indicados no conselho de administração de sua concorrente: Gesner Oliveira, consultor que já presidiu o Cade em meados da década de 1990, e Ricardo Weiss, que também é conselheiro de outras empresas. A empresa de Steinbruch conseguiu indicar os conselheiros depois de reverter uma decisão prévia do Cade, que tinha vetado inicialmente esse direito.

Compras de ações pela CSN começaram em 2010

As compras de ações feitas pela CSN começaram em 2010, com idas frequentes à Bolsa de Valores. O pano de fundo era a venda de uma fatia de 26% da empresa então detida pela Votorantim e pela Camargo Correa. A CSN chegou a fazer uma oferta pela fatia como um todo, mas quem levou foi o grupo ítalo-argentino Ternium. Na época, a especulação era de que Steunbruch tinha o interesse de fundir os dois negócios.

Presidente do Cade na época do início das investidas da CSN na Usiminas, Arthur Badin recorda que o movimento foi visto desde o princípio com preocupação. “Causou espanto de não ter sido notificado ao Cade”, afirma. Em sua opinião, há vários problemas em se reverter a decisão e 2014 do Cade, entre eles o incentivo às empresas de não cumprirem as decisões do Cade.

Fora isso, outra questão é que uma participação de grande porte, como o da CSN na Usiminas, tira a liquidez das ações negociadas em Bolsa e traz prejuízos a minoritários. Badin afirma ainda que, dada a complexidade do caso, o assunto não deveria ser tratado por um despacho, que elimina a necessidade de aprofundamento que o tema exige.

Procurado, o Cade disse que não comenta casos em análise. CSN e Usiminas preferiram não comentar.