Campos Neto lembrou que o Brasil está muito conectado com a volatilidade dos preços dos alimentos. “Começamos a ver inflação ficar mais alta e as pessoas estão preocupadas com as questões verdes. Estamos vendo que tipos de risco temos de tomar. Há risco de sairmos de nosso mandato. Existem algumas indicações de participantes de mercado de que estamos cumprindo nosso mandato. É melhor o risco de fazer mais e sair um pouco do nosso mandato”, disse, referindo-se à missão da autoridade monetária de manter o nível de preços controlado.
O presidente do Banco Central participou de painel na “The Green Swan Conference”. O evento é promovido pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), pelo Banco Central Europeu (BCE), pelo Banco do Povo da China e pelo Network for Greening the Financial System (NGFS).
Segundo ele, há algumas opções para lidar com esse problema atual de choque de commodities. O primeiro é deixar os preços equilibrarem o mercado, reduzindo o consumo. “Mas isso não é socialmente nem politicamente viável.”
A segunda opção, conforme Campos Neto, é intervir nos preços, como em vários países neste momento, mas isso pode desencorajar investimentos. “E acho que é o setor privado que vai resolver o problema no final, e não o governo.”
Por fim, ele comentou que é possível usar o choque positivo provocado pelas commodities, com mais exportações e arrecadação de impostos, para lidar com o problema social, via subsídios. “É uma boa solução, mas há o risco de virar uma despesa permanente. “No fim, lidar com esse problema é chave. E vai influenciar como veremos essa questão no futuro.”
‘Alertas vermelhos’
O presidente do Banco Central avaliou também que há “alertas vermelhos” por todos os lados na agenda de transição para a economia mais verde, como na crise energética e de alimentos. “Temos alguns tipos de protecionismo em áreas de alimentação e energia.”
Para ele, há mais preocupação com a produção de alimentos do que com a crise climática, que ele avalia que pode ser resolvida em breve. “No caso de energia, vamos arrumar isso rápido, com Capex. Vamos encontrar recursos alternativos e mais sustentáveis, renováveis. Acho que a questão vai se resolver logo. A questão da comida pode demorar mais.”
Segundo Campos Neto, é preciso encontrar eficiência para resolver questões climáticas. “Para mim, solução é pelo preço, como a criação de um mercado de carbono.”
Campos Neto citou que hoje há o problema inicial de que os elementos para construir uma economia mais sustentável dependem de fatores e tecnologias que hoje não são verdes.
“Vou começar reagindo ao que Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, disse sobre inflação verde e a fóssil. Inflação verde pode se tornar um impedimento para inflação fóssil no futuro. Tecnologia para ter menos inflação fóssil depende de elementos que causam inflação verde. O pêndulo balança muito.”
O presidente do BC também voltou a citar o problema de investimentos, com os preços de commodities nas alturas, sem resposta de aportes de empresas para novos projetos, em virtude da dificuldade de conseguir financiamento em um momento em que os princípios verdes já precisam ser observados. “Os bancos não querem emprestar porque eles dizem que está mais caro.”
Linha a banco para liquidez
Campos Neto afirmou também que, no Brasil, políticos entendem que é preciso contemplar também área verde nas decisões da autoridade monetária. “Os questionamentos sobre mandato vêm mais de mercado do que de governo”, afirmou ao ser questionado pelo presidente do Banco da França, François Villeroy de Galhau, sobre a pressão dos governos de que os bancos centrais estejam mais focados em minimizar a alta da inflação do que necessariamente contemplar ações na área de clima em suas atividades.
Também como participantes do painel, estiveram Christine Lagarde; o diretor geral do BIS, Agustín Carstens; e o presidente do Banco Popular da China, Gang Yi.
Campos Neto adiantou que o BC brasileiro estuda uma linha destinada a bancos para terem liquidez para instalarem projetos em áreas verdes. Na avaliação do presidente do BC brasileiro, é preciso que as autoridades monetárias convirjam para padrões internacionais sobre o clima. “A pergunta é sobre quão e rápido (vamos conseguir fazer isso”, comentou.
Ele enfatizou que a produção agrícola é muito grande no Brasil e que este setor é diferente da indústria em termos de produtos, por exemplo. Há, portanto, segundo Campos Neto mais desafios para o País, mas ele garantiu que o País tem compromissos com padrões internacionais.
Agenda de sustentabilidade
Em sua primeira participação na mesa redonda, Campos Neto chegou a citar as ações da agenda de sustentabilidade do BC, um programa de três anos, criado em 2020, com cinco dimensões. Segundo o presidente da autarquia, o principal projeto é o “green bureau ou bureau verde, que é uma forma de estabelecer critérios sociais, ambientais e climáticas às operações de crédito rural. “Está bem avançado. Nós acreditamos que bureau verde é um piloto para taxonomia verde”, disse, repetindo avaliação da diretora de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos do BC, Fernanda Guardado, na terça-feira.
Uma segunda parte são os testes de estresse das instituições financeiras com parâmetros verdes. Segundo Campos Neto, há um “trade off” entre o curto prazo e o longo prazo, com alguns bancos reclamando que é muita informação no curto prazo.
O presidente do BC também considerou que o fato de ter adotado padrões ESG nas reservas internacionais é desafiador, porque o Brasil tem grandes reservas e é preciso ser transparente em relação a isso. “Não é sobre disclosure, mas sobre sua qualidade.”
Campos Neto ainda disse que um desafio na agenda verde são os dados. “Temos preocupação que tudo seja padronizado e comparável”, disse, citando a necessidade de uma taxonomia. “Começamos a criar padrões para empréstimos.”