Analistas veem a perda de fôlego global da moeda americana ao longo desta semana como principal catalisador da apreciação real. Declarações do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, e o índice dos EUA de inflação ao consumidor (CPI) em dezembro em linha com o esperado desarmaram apostas mais pessimistas em torno do ritmo de normalização da política monetária americana.
O BC dos EUA vai encerrar o programa de compra de ativos e, provavelmente, iniciar a alta de juros em março, promovendo entre três e quatro elevações em 2022. Mas a eventual redução do balanço patrimonial da instituição, que representa retirada de liquidez do sistema, deve ficar apenas para o fim deste ano. Embora tenha subido nesta sexta, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – desceu, nos últimos dias, de um patamar superior a 96 mil pontos para algo ao redor dos 95,200 pontos.
Por aqui, pesaram a favor do real, segundo analistas, as captações de empresas com emissão de títulos no exterior, a internalização de recursos por exportadores e a volta do apetite do investidores estrangeiros por operações de carry trade (que exploram o diferencial entre juros internos e externos). Além de aumentar a atratividade da renda fixa local, a taxa de juros doméstica mais elevada também aumenta o custo do hedge e desencoraja apostas mais contundentes contra o real.
“Hoje é um dia bem interessante. Com as bolsas em Nova York caindo e o Ibovespa subindo. Tem muito capital mal alocado em ativos estrangeiros que pode acabar voltando para cá”, afirma o diretor de Inversa Publicações, Rodrigo Natali, ressaltando que o estoque de posições de brasileiros em BDRs (recibos de ações de empresas estrangeiras negociados na B3) e em fundos de BDRs fechou 2021 em R$ 32 bilhões. “As pessoas criaram a percepção de que comprar ação lá fora não tem risco. Mas o risco é duplo, da ação e cambial. Não deixa de ser uma posição comprada em dólar (que ganha quando a moeda americana sobe).”
Natali também nota o retorno do interesse de estrangeiros por operações de carry trade, dados os juros domésticos elevados e uma diminuição da volatilidade da taxa de câmbio. “Talvez porque o mercado americano, que está operando de lado, não ofereça mais tantas oportunidades. Podemos ver o real voltar a ter uma boa performance”, diz Natali, acrescentando que não há mais a pressão do overhedge dos bancos e que os exportadores podem voltar a internalizar recursos.
Se não são suficientes ainda para fazer o dólar trabalhar abaixo de R$ 5,50, esses fatores impedem, por ora, que a taxa de câmbio se situe perto de R$ 5,70. Não fossem a questões fiscais domésticas, com demanda do funcionalismo por reajuste salarial, e a aparente inviabilidade de uma candidatura da terceira via no pleito presidencial, o real poderia se fortalecer ainda mais, dizem analistas.
Em campanha por reajuste salarial, servidores dos Três Poderes programaram paralisação para a próxima terça-feira, dia 18. Segundo fontes ouvidas pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), o ministério da Economia quer “segurar a chave do cofre” até o dia 4 de abril, a partir de quando, pela lei eleitoral, segundo parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), fica vedada a concessão de reajustes.
“A pressão pelo reajuste dos salários dos servidores e consequente impacto fiscal deve continuar no radar dos mercados e pode prejudicar esse alívio momentâneo que estamos vendo no câmbio”, afirma a economista Cristiane Quartarolli, especialista em câmbio do Banco Ourinvest, acrescentando que pode haver também nova rodada de pressão contra divisas emergentes, diante da expectativa de alta dos juros nos EUA.
Entre os indicadores domésticos, o IBGE informou que as vendas do comércio varejista subiram 0,6% em novembro ante outubro (com ajuste sazonal). O resultado veio perto do teto do intervalo das estimativas dos analistas ouvidos pelo Projeções Broadcast, que esperavam desde uma queda de 2,8% a alta de 0,7%, com mediana estável (0,0%).