Apesar do clima de cautela no exterior em meio às incertezas sobre o desfecho da crise envolvendo Rússia e Ucrânia, o dólar abriu a semana em queda firme no mercado doméstico de câmbio. Mais uma vez, operadores relataram entrada de capital externo para ativos locais, redução de posições compradas em dólar (que ganham com a alta da moeda) por estrangeiros no mercado futuro e fechamento de câmbio por parte de exportadores.
Entre o fim da manhã e início da tarde, a divisa rompeu o piso de R$ 5,10 e desceu até a mínima de R$ 5,0754 (-1,26%). Ao longo da etapa vespertina, com o dólar passando a ganhar terreno frente a divisas emergentes e a virada do Ibovespa para o campo negativo, a moeda diminuiu o ritmo de queda por aqui. No fim da sessão, recuava 0,64%, a R$ 5,1070 – menor valor desde 29 de julho. Em dia de ausência da referência dos mercados americanos, fechados por conta de feriado nos Estados Unidos, a liquidez no mercado futuro foi mais reduzida, com o contrato de dólar futuro mais líquido, para março, girando cerca de US$ 10 bilhões.
No exterior, o índice DXY – que mede a variação do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – exibia leve alta, acima dos 96,100 pontos. A moeda americana subiu frente à maioria de divisas emergentes e de países exportadores de commodities, com ganhos de mais de 3% ante o rublo, abalado pela crise geopolítica.
Em meio a tentativas de líderes do Ocidente de encontrar uma saída diplomática para a crise geopolítica, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, reconheceu as regiões separatistas de Donetsk e Luhansk na Ucrânia como independentes. A União Europeia reagiu com a promessa de imposição de sanções à Rússia.
Como tem sido habitual, o real figurou com a divisa de melhor desempenho global, fenômeno atribuído por operadores e economistas à taxa de juros básica elevada (10,75%) e ao apetite dos estrangeiros por ativos ligados a commodities, preferidos na rotação global de portfólio diante da expectativa de alta de juros nos Estados Unidos a partir de março. Os contratos futuros do petróleo subiram quase 3%, ao passo que a cotação do minério de ferro negociado em Qingdao, na China, avançou 5%.
Segundo o sócio da Valor Investimentos Davi Lelis, os preços elevados das commodities e o patamar atual das ações brasileiras tornam o Brasil muito atraente para o estrangeiros. Em 2022, o saldo do capital externo na B3 já ultrapassa US$ 53 bilhões. “Além disso, a Selic em patamares de dois dígitos atrai investidores para a renda fixa. O juro real positivo é o melhor produto de exportação do Brasil neste momento mais conturbado da economia mundial”, afirma Lelis. “O real foi uma das piores moedas no ano passado. E agora está no topo da lista”.
As expectativas de inflação seguem pressionadas e ratificam as projeções de taxa Selic perto de 13% ao ano. A mediana do boletim Focus trouxe aumento da expectativa para o IPCA deste ano de 5,50% para 5,56%, ao passo que a estimativa para 2023 ficou estacionada em 3,50%. A projeção para taxa Selic no fim de 2022 permaneceu em 12,25%. As atenções do mercado estão voltadas para a divulgação nesta semana do IPCA-15 de fevereiro, na quarta-feira (23).
Em evento hoje à tarde, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o BC brasileiro teve um diagnóstico rápido e certeiro sobre a inflação e que saiu na frente no processo de aperto monetário, embora outros países emergentes, como Chile, Colômbia e México estejam surpreendendo com ações mais fortes que o esperado. Segundo Campos Neto, o Brasil seria, ao lado da Rússia, o único país do mundo a ter taxa de juros acima da neutra.
“Não se pode descartar até mesmo um juro superior até à 13% (não é o nosso cenário referencial), pois, por enquanto, as medianas das expectativas de inflação ainda não estabilizaram. Como não estamos ainda passado por dominância fiscal, a elasticidade dos juros ainda beneficia o ingresso no fluxo cambial”, afirma o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, para quem o IPCA-15 deve mostrar “grau elevado de disseminação de reajustes”.
Para a economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, o real se beneficia da “rotação de carteiras de investidores globais em contexto de melhores ventos sobre a China e commodities”. Além dos mais de R$ 50 bilhões de ingresso estrangeiro na Bolsa (que não implicam, necessariamente, fluxo de divisas), é “factível que o estrangeiro esteja entrando em renda fixa”, dado o diferencial entre juros externos. “A grande questão é a perenidade desses investimentos em portfólio, pois tendem a ser muito voláteis. Ainda mais em momentos de tantos desafios internos com a recessão, inflação elevada, eleição polarizada e incertezas sobre o regime e regras fiscais”, afirma Damico, em relatório.