Pela manhã, mesmo com certo apetite a risco no exterior em razão da expectativa em torno das negociações entre Rússia e Ucrânia, o dólar já subia por aqui, refletindo o tombo dos preços das commodities, na esteira de medidas restritivas na China para conter novo surto de covid-19. A cotação do minério de ferro caiu 7,33%, para US$ 143,70 a tonelada, no porto chinês de Qingdao.
Ao longo da tarde, com a piora no sentimento externo e fortalecimento da moeda americana frente a divisas emergentes, na esteira da notícia de que a China poderia fornecer assistência militar à Rússia, o dólar acentuou o ritmo de valorização e, renovando sucessivas máximas, atingiu R$ 5,1385.
Com uma moderação nos ganhos na última hora de negócios, a moeda encerrou em alta de 1,30%, a R$ 5,1200. Apesar do avanço desta segunda, a divisa ainda apresenta queda de 0,69% em março. A baixa acumulada no ano, que chegou a superar 10%, está agora em 8,18%.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – operou em forte queda pela manhã, descendo até a casa dos 98,600 pontos, mas ganhou força ao longo da tarde e, quando o mercado doméstico fechou, apresentava ligeira queda, na linha dos 99,000 pontos.
Além de fatores externos, também pesou no sentimento dos investidores a preocupação com a questão fiscal doméstica, diante de sinais do governo pode adotar mais subsídios e reduzir de tributos para conter a alta dos combustíveis – além da ameaça de greve dos caminhoneiros. A dobradinha formada por inflação elevada e perspectiva de crescimento cada vez menor reacende as ameaças de que Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, adote medidas tidas como populistas.
No fim de semana, o presidente voltou a falar em redução de tributos para combustíveis, na contramão do desejo da equipe econômica. Cálculos mostram que a desoneração de PIS e Cofins sobre a gasolina levaria a uma perda de R$ 23,84 bilhões em receita. O governo deixaria de arrecadar outros R$ 3,01 bilhões da Cide. Segundo apurou a jornalista Adriana Fernandes, do Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), outra proposta seria a concessão de subsídios à população mais pobre via o programa social Auxílio Brasil.
Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), trouxe novamente à baila uma eventual contribuição da Petrobras para conter os preços dos combustíveis, pretextando que a petroleira, que distribui “dividendos bilionários, possui uma “função social”.
Para o operador Hideaki Iha, da Fair Corretora, o forte fluxo de recursos no início do ano acabou ofuscando o peso dos problemas domésticos na formação da taxa de câmbio. “A inflação é muito alta, não tem crescimento, e o fiscal volta a preocupar com essa história dos combustíveis. Uma nova greve dos caminhoneiros seria desastrosa. Já era hora de o dólar ter uma correção”, afirma Iha, que não vê espaço para o dólar romper o piso de R$ 5,00 no curto prazo. “Existe também muita cautela com essa questão da guerra e do começo da alta de juros nos Estados Unidos nesta semana.”
A perspectiva majoritária no mercado é que o Federal Reserve anuncie uma elevação de 0,25 ponto porcentual da taxa de juros na quarta-feira e adote um discurso duro contra a inflação. A economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, afirma que, dada a piora significativa da dinâmica da inflação corrente e a ampla melhora mercado de trabalho apertado, o Fed deveria elevar a taxa de juros em 0,50 ponto porcentual. “Porém, a incerteza gerada pela guerra no cenário econômico prospectivo e piora das condições financeiras podem levar o Fed a iniciar o ciclo com 0,25 (ponto) e aumentar o ritmo nas próximas reuniões, quando houver maior clareza sobre impactos do conflito”, diz Damico, em relatório.
No Brasil, a aposta predominante é a de que o Copom, cuja decisão também será anunciada na quarta-feira, eleve a taxa Selic em 1 ponto porcentual, para 11,75% – e deixe a porta aberta para novas altas. Nesta segunda-feira, o Itaú Unibanco aumentou a projeção para a taxa Selic no fim do atual ciclo de aperto monetário de 12,50% para 13%, citando o “aumento das pressões inflacionárias” e o “risco de desancoragem das expectativas de inflação”.
Apesar do início do processo de alta de juros nos EUA, haverá ainda um diferencial de juros interno e externo elevado, o que tende a atrair recursos para operações de “carry trade” e dar suporte ao real, afirmam analistas. Juros locais em dois dígitos encarecem o hedge (proteção) e aumentam o custo de oportunidade de posições compradas em dólar.
“Acho pouco provável uma desvalorização grande do real. Com a taxa de juros no nível atual, o dólar teria que superar R$ 5,60 para que uma aposta a favor do dólar compense. É melhor deixar o dinheiro no CDI”, afirma um gestor de uma asset local. “Além disso, não temos mais a pressão do overhedge dos bancos e os exportadores estão trazendo recursos que deixavam lá fora quando o juro brasileiro era baixo”.