O dólar à vista trocou de direção diversas vezes ao longo do dia, em sintonia com o ambiente externo. Apesar da disparada do retorno das Treasuries, reflexo da perspectiva de uma elevação mais rápida e prolongada do juro nos EUA, a moeda americana teve um comportamento misto tanto em relação a divisas fortes quanto emergentes – operando em queda firme na comparação com rand sul-africano e o peso chileno, mas em alta frente ao peso mexicano, o rublo e a rupia indiana.
Instável, o real trabalhou ora no grupo dos vencedores, ora no dos perdedores. As mínimas da sessão por aqui vieram no início da tarde, no melhor momento para os emergentes, quando o dólar à vista rompeu o piso de R$ 5,20 e desceu rapidamente R$ 5,1748. Já a máxima, a R$ 5,2509, ocorreu quando as bolsas americanas ampliaram as perdas e as taxas dos Treasuries tocaram máximas, insufladas por declarações do presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, que tem direito a voto nas reuniões de política monetária.
Maior expoente da ala conservadora do BC americano, Bullard afirmou que gostaria de ver um aumento de 100 pontos-base na taxa de juros dos EUA – hoje entre 0% e 0,25% – até 1º de julho deste ano, com um aumento inicial de 0,50 pontos-base. Segundo o monitoramento do CME, na esteira do CPI de janeiro, as apostas em torno de uma de elevação de 50 pontos-base já em março saltaram de cerca de 25% para mais de 80%. Além do índice de inflação cheio, o núcleo do CPI – que exclui preços de energia e alimentos, que são mais voláteis – também superou as estimativas, com alta de 0,6% em janeiro e 6% na comparação anual.
Após tantas idas e vindas, no fim do dia o sinal positivo prevaleceu por aqui, com nítida influência da aceleração da moeda americana ante emergentes pares lá fora. Assim, o dólar à vista fechou no mercado doméstico cotado a R$ 5,2418, em alta de 0,29%. Apesar da ter avançado hoje, a moeda acumula queda de 1,51% na semana. Em 2022, o dólar tem desvalorização de 5,99%. O giro com o contrato de dólar futuro para março, principal termômetro do apetite por negócios, foi robusto, superando US$ 15 bilhões.
Para o head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, o ambiente de volatilidade deve permanecer, mas o real pode continuar a se valorizar daqui para frente, caso não haja notícias internas muito negativas ou uma alta ainda mais aguda das taxas dos Treasuries nos Estados Unidos. “O Brasil tem uma taxa real de juros de 6%. Os preços das commodities, como milho, soja e café, estão altíssimos em dólar. É claro que se houver um estresse muito forte lá fora, com a Treasury de 10 anos indo para 4%, o real vai sentir. Mas não é isso que está no radar”, afirma Weigt, para quem a permanência da taxa da T-note de 10 anos em 2% “não significa muita coisa”, já que o “diferencial de juros continua enorme”.
A tese da rotação de portfólio, com investidores abandonando países desenvolvidos para buscar pechinchas entre ativos emergentes, como ações e moedas, ainda predomina nas mesas de operação. Com a perspectiva de novas altas da Selic, após a ata do Copom e declarações, ontem, do diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra, a renda fixa brasileira fica cada vez mais atraente. A bolsa doméstica, com peso considerável de ações de valor ligadas a commodities, apresentou alta firme, desgarrando-se das perdas em Nova York.
O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, chama a atenção para o fato de a China continuar a promover estímulos financeiros, com redução de depósito compulsório e taxas juros. “O estoque de moeda (M2) passou de uma alta de 9,0% ao ano em dez de 2021 para 9,2% em janeiro, sendo que os “novos empréstimos” na China mais que triplicaram em janeiro, o que beneficia os preços das commodities, como o minério”, afirma Velho, em relatório, acrescentando que hoje os mercados operaram mais sob influência da leitura de inflação nos EUA.
O professor Alexandre Cabral, que atua na B3 na Anbima, observa, no Twitter, que, entre 1º até 4 de fevereiro, os estrangeiros compraram US$ 931 milhões em ações. Como a entrada líquida de dólares nesse período foi de US$ 3,85 bilhões, conclui-se que a maior parte dos recursos externos (US$ 2,92 bilhões) acabou indo para renda fixa e fundos.