Há analistas falando de estagflação global, como nos anos 70. Isso pode ocorrer?
É mais um risco do que uma certeza. A guerra afeta marginalmente a economia mundial por dois canais. Primeiro, por um aumento de preço de commodities. É importante deixar claro que uma coisa é seis mil ogivas nucleares, e outra é PIB. Em termos de economia mundial, a Rússia é pouco relevante. É 1,7% da economia mundial e representa 1,3% do comércio global. A Ucrânia corresponde a 0,3% do comércio global. Se não fosse por commodities, o impacto seria pequeno. Mas a Rússia é o quinto maior exportador do mundo de energia. Aí tem o risco de interrupção de fornecimento para a Europa e do aumento do preço do gás natural e do petróleo. À medida que as sanções são implementadas, isso contribui para elevar o preço do petróleo e afetar a política monetária dos Bancos Centrais. Se o Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) já tinha de subir muito os juros, terá de subir mais. Então, o segundo canal de transmissão, não direto, acaba afetando o crescimento global. Uma política monetária mais restritiva pode levar, na margem, a um PIB (global) menor. Por último, o impacto intangível é muito mais nefasto e duradouro do que preço de energia, PIB ou inflação. É o impacto do rompimento de um contrato da ordem internacional, de um acordo que se tinha, implícito ou não, desde a dissolução da URSS, de não agressão. Invadir um país pacífico não está no script.
Quais são os efeitos disso?
A incerteza e os riscos contratuais aumentam. Por exemplo, uma empresa exportadora que tinha relações com a Rússia agora não consegue ser paga. Você também faz uma regra de três: a Rússia está para a Ucrânia assim como Taiwan está para a China. O prêmio de risco global aumentou. Isso pode acabar reduzindo a cooperação internacional e o volume de comércio global. Acaba sendo prejudicial para o desenvolvimento e o crescimento econômico. A estrutura do pós-Guerra podia não funcionar bem, havia excessos – por exemplo, os EUA invadiram o Iraque -, mas agora entramos em um mundo com um grau muito maior de incerteza. Isso custa crescimento. Inicialmente, vai ser pelo canal de commodities, por inflação. Depois, força os BCs a subirem mais os juros. Não vamos culpar a Rússia pela inflação. A culpa foi de um erro de cálculo dos BCs. Talvez a exceção seja o nosso BC, que começou antes (a aumentar o juro).
Não teve também a pandemia, que interrompeu cadeias de fornecimento?
Os BCs foram lentos. Houve o problema das cadeias de produção, mas a liquidez injetada pelos BCs chega a US$ 10 trilhões, 12,5% do PIB mundial. O excesso de oferta monetária é excesso de demanda por bens e serviços. O excesso de demanda mais a oferta inelástica (causada pela interrupção das cadeias) gerou essa pressão de inflação. O Fed errou ao segurar a normalização da política monetária, e não foi por uma semana. Foi por pelo menos um ano. Um bom BC normaliza as condições monetárias em dia de sol e em tempo bom. Quanto mais ele espera, mais fica vulnerável às intempéries e não percebe o que pode acontecer. Agora aconteceu Rússia e Ucrânia.
A Rússia pode ser asfixiada financeiramente?
As sanções estão evoluindo à medida que cenas lamentáveis aparecem na TV. Políticos na Europa e nos EUA estão mais reativos do que proativos. Mas as sanções podem levar a uma desorganização importante da economia russa e vão levar a uma recessão profunda do país. O problema é que um Putin desmoralizado e encurralado pode ter reações inesperadas. Ele já teve na semana passada. Nem os ucranianos nem o mercado acreditava que ele iria invadir. É preciso avaliar que uma pessoa normal e racional age com certos valores que não são os do presidente Putin. O desespero de um Putin acuado pode levar a medidas bastante ruins para todo o mundo.
O Brasil vinha deslocado da tendência global, com Bolsa em alta e moeda se valorizando. Isso muda?
O Brasil estava operando com um prêmio de risco elevado devido às incertezas eleitorais e às preocupações fiscais. O câmbio e a Bolsa estavam baratos, enquanto o preço do minério de ferro, de grãos e de todo o complexo de commodities já vinha em tendência de alta. O Brasil vinha se beneficiando de um choque de preços internacionais. Isso valoriza o câmbio, melhora o balanço de pagamentos.
Como isso fica agora?
O Brasil é dono do seu destino dado seu tamanho e o fato de ser uma economia fechada. Não vou entrar na discussão política, mas, com um bom presidente, com um bom programa econômico, que gere bom relacionamento com o mercado e investimentos, o potencial do País é espetacular. E o cenário externo, no momento, tem coisas positivas e negativas. Por um lado, a parte de matérias-primas beneficia. Por outro, o Fed vai tirar o oxigênio do sistema subindo o juro. O que sobra para fluxo de capitais para emergentes diminui. Pode também haver certa aversão ao risco em relação a emergentes devido a incertezas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.