A decisão liminar, concedida pelo juiz Herley da Luz Brasil, da 2.ª Vara Federal Cível e Criminal do Acre, atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), sob o argumento de que a falta de estatísticas dificulta o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a população LGBTQIA+.
“A omissão que o Estado brasileiro, historicamente, tem usado em desfavor da população LGBTQIA+ é relevante e precisa ser corrigida”, escreveu o juiz, na decisão. “Ignorando-os, o Brasil não se volta às pessoas LGBTQIA+ com o aparato estatal que garante, minimamente, dignidade. Nega-se até mesmo a própria personalidade dessas pessoas.”
Em comunicado, o IBGE afirmou que não é possível incluir no questionário uma pergunta sobre orientação sexual e identidade de gênero “com técnica e metodologia responsáveis e adequadas – muito menos com os cuidados e o respeito que o tema e a sociedade merecem”. O órgão lembrou ainda que faltam menos de dois meses para o início da operação.
A coleta do Censo Demográfico está prevista para ter início em 1º de agosto. Mais de 200 mil recenseadores estão sendo recrutados e treinados para fazer o levantamento de informações em todos os cerca de 76 milhões de domicílios do País.
“Haverá impacto financeiro severo, especialmente se for constatada a necessidade de mudança metodológica, caso as perguntas precisem ser respondidas individualmente – exigindo que as informações sejam coletadas com a própria pessoa – o que aumentaria a necessidade de revisitas, correndo o risco de inviabilizar a operação censitária. Essas mudanças podem diminuir significativamente a produtividade do recenseador e elevar o tempo de coleta como um todo, aumentando o gasto com mensalistas, aluguéis, dentre outros”, argumentou o IBGE, em nota.
O órgão estatístico afirma que inserir os quesitos no censo em cima da hora, sem estudos, testes e treinamentos prévios, “seria ignorar a complexidade e o rigor de uma operação censitária do porte continental da brasileira – cuja discussão e elaboração dos questionários e sucessivos planejamentos e preparações se iniciaram em 2016”.
“Seria irresponsabilidade arriscar a integridade do Censo Demográfico enquanto principal pesquisa do país, ainda que por iniciativa inspirada em legítimas causas e boas intenções”, alertou o IBGE. “Nesse caso – para dar cumprimento escorreito à liminar da Justiça do Acre – restaria ao IBGE, como única alternativa possível, o adiamento do Censo 2022. O IBGE tem ciência de que um novo adiamento do Censo imporá vultosos impactos financeiros e sociais, inclusive prejudicando vários planejamentos nacionais, como a repartição das verbas dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e Municípios (FPM), além de repasses de verbas destinadas a programas sociais”, acrescentou.
O IBGE ressalta que fez testes de homologação dos sistemas utilizados na operação censitária já no ano passado, e que os técnicos responsáveis avaliam que alterar esses sistemas agora para inclusão intempestiva de nova informação colocaria em risco “considerável” toda a operação censitária.
“A medida pode gerar impactos não estimados, no tempo e na qualidade das respostas dos entrevistados; e, evidentemente, causará aumento de custos (recursos federais) não contemplados no orçamento previsto para o Censo 2022: cerca de 2,3 bilhões de reais”, diz a nota do instituto. “Tecnicamente e metodologicamente, um Censo não pode ser levado a campo partindo de um questionário não estudado, não testado e com equipe não devidamente treinada”, completou.
O órgão estatístico afirmou que quesitos relacionados a identidade de gênero e orientação sexual já estão previstos para investigação em outras pesquisas domiciliares do IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), no primeiro trimestre de 2023; Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde (PNDS), prevista para ir a campo no segundo trimestre de 2023; Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), prevista para ir a campo em 2024; e na próxima edição da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF).
Realizado a cada dez anos, o Censo Demográfico visita todos os lares brasileiros. A operação deveria ter ocorrido em 2020, mas foi adiada em decorrência da pandemia. A falta de destinação de verbas pelo governo federal também foi um obstáculo. Em 2021, o Orçamento federal não trouxe os recursos necessários para a condução do Censo, que acabou cancelado novamente, mas desta vez sob uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de que ocorresse em 2022. Dois concursos públicos para contratação de mais de 200 mil trabalhadores temporários tiveram que ser cancelados.
A operação censitária foi orçada inicialmente pela equipe técnica do IBGE em mais de R$ 3 bilhões, para ir a campo em 2020. Em meio a pressões do governo pela redução no orçamento, os questionários originais foram enxugados, e a verba encolheu para R$ 2,3 bilhões. No ano de 2021, o valor de apenas R$ 53 milhões no orçamento sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro inviabilizava até os preparativos para o levantamento ir a campo em 2022. Mais tarde, após a decisão do STF, o IBGE conseguiu assegurar uma complementação orçamentária para os preparativos em 2021 e a verba para a coleta em 2022.
As informações recolhidas pelo Censo servem de base, por exemplo, para o rateio do Fundo de Participação de estados e municípios, sendo essenciais também para políticas de saúde, como a necessidade de alocação de profissionais e equipamentos para atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e planejamento de políticas educacionais. Os dados são usados ainda como base para pesquisas amostrais, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do próprio IBGE, que levanta informações sobre o mercado de trabalho, como a taxa de desemprego, e até para pesquisas eleitorais.