O ex-presidente do Banco Central (BC) do Brasil disse que a inflação – o “grande problema” do mundo hoje – deve demorar para cair. Questionado sobre o aumento dos gastos públicos no País, que podem pressionar a inflação ainda mais, Goldfajn afirmou que “a questão fiscal tem de contribuir para este momento que estamos vivendo” e destacou que o BC está trabalhando para que o Brasil enfrente os “ventos contrários”.
Confira, a seguir, trechos da entrevista.
Apesar da deterioração financeira global, o FMI está com uma projeção melhor de crescimento econômico para a região agora, de 3%, do que em janeiro, quando era de 2,4%. O que está por trás dessa mudança?
Observamos que a recuperação econômica de 2021, que foi forte na região, continuou no primeiro semestre de 2022. Temos países em que o turismo voltou. Temos países que dependem das forças globais, e os EUA e outros países continuaram crescendo. Tivemos um período, no primeiro semestre, em que as commodities estavam mais altas. Isso também contribuiu. Agora, temos de separar a tendência do começo do ano e o que a gente percebe daqui para frente. A percepção é de que os ventos estão mudando de direção. Vamos ter aperto das condições internacionais, com os Estados Unidos subindo a taxa de juros. Isso significa que o fluxo de capital diminui para a região e que o dólar fica mais forte. Temos uma revisão de crescimento para os EUA para 1% em 2023 (antes, a projeção era de 1,7%). Esse crescimento dos EUA menor, a China e a Europa também crescendo menos, significa que a região deve, daqui para frente, ter uma desaceleração. Por isso, houve uma revisão da projeção de crescimento para o ano que vem (de 2,5%) para 2%.
Devemos esperar instabilidade política e social na América Latina como consequência da inflação?
Inflação é o grande problema global, não só do Brasil ou da região. Você vê as altas taxas de inflação nos EUA e na Europa. Até mesmo o Japão, que tinha sempre o problema de pouca inflação, está começando a ter mais inflação. O aperto das condições monetárias deve levar à desaceleração. Nesse contexto, a região, até por sua história, teve atuação relativamente mais rápida do que a dos países avançados. O Fed (Federal Reserve, o Banco Central dos EUA) está subindo a taxa de juros neste ano, quando a maioria dos BCs da região, inclusive o do Brasil, subiu antes. Não significa que a inflação esteja resolvida. Significa que, em termos de credibilidade, a reação ocorreu. Os BCs estão tentando reagir, e há uma percepção de que, ao menos em perspectivas de longo prazo, eles têm sido relativamente bem-sucedidos. Não estamos vendo as expectativas completamente desancoradas. Vemos expectativas mais altas agora e nos próximos dois ou três anos. É o efeito do choque. Vai demorar para voltar, mas os BCs estão reagindo. Acho que a institucionalidade nos últimos anos, os BCs autônomos, os regimes de meta de inflação e a ideia de que inflação é um bem público, que tem de ser cuidado, ajudaram – aí houve essa reação. Agora, a política monetária e a do governo têm de continuar.
Nos momentos em que o Fed eleva juros, crises graves ocorrem em países da região. Vocês veem esse risco?
Toda vez que há aperto de condições monetárias, há uma consequência. A consequência clássica é a reversão dos fluxos de capitais (em direção aos países avançados), o que já está ocorrendo. Segundo, o dólar fica mais forte. Isso leva a um custo interno maior. As taxas de juros domésticas sobem, e as moedas se depreciam, o que pressiona a inflação. Essa combinação leva a mais aperto monetário dentro dos países. Aí a desaceleração mundial acaba se transformando também numa desaceleração local. Estamos reduzindo a previsão de crescimento para a região porque vemos esse desenrolar.
Como fica o Brasil nesse cenário?
O Brasil se encaixa como outros países da região. Quando elevamos a projeção para este ano, o Brasil se encaixa nisso. Mas o País também vai enfrentar um cenário global mais difícil: taxas de juros globais mais altas e dólar mais forte, o que significa pressão maior sobre a taxa de câmbio, em um ambiente em que provavelmente vai ter uma desaceleração de crescimento. As commodities, que foram um fator mitigador no choque anterior, podem não ter esse efeito agora. Isso gera desafios para o Brasil e para a região.
Qual será o maior desafio para o próximo ano no Brasil?
É o mesmo desafio global. Vamos ter um 2023 com crescimento dos EUA e do resto do mundo bem menor do que em 2022. Em compensação, a região podia se colocar – e acho que está fazendo isso – como parte da solução. Se o mundo está precisando de mais alimento e de energia verde, a região pode se colocar como uma grande vendedora. Ao mesmo tempo que temos um desafio conjuntural, que é o desafio desse aperto das condições monetárias e da desaceleração da economia global, temos oportunidades.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.