De antigos nomes da lista de bilionários da revista Forbes, como Eike Batista, passando por apresentador de TV e até ex-participantes do Big Brother Brasil, esses “coaches” criam cursos e palestras que dizem ter a função de auxiliar no “crescimento pessoal e profissional” de futuros empreendedores. Em alguns casos, gente que fracassou vende, sem problemas, a “fórmula do sucesso”.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, mentores costumam usar táticas parecidas, como discurso motivacional e exaltação da própria trajetória. Em alguns casos, é comum que haja omissão de fracassos ao longo da trajetória. Mas há quem esteja devendo para ex-funcionários e até enfrente bloqueios de bens na Justiça e minimize essas situações como percalços “comuns” na vida do empreendedor. Por isso, a ordem de especialistas é ter cuidado na hora de levar conselhos à risca.
Aprendendo (de verdade) com o fracasso
Para Liao Yu Chieh, educador financeiro do C6 Bank e professor do Insper, aprender por meio dos erros de outros empresários pode ser uma ferramenta a ser utilizada no mundo dos negócios desde que os mentores não aumentem ou tentem florear suas histórias. O que não vale é transformar seus feitos em “epopeias de sucesso” que servem apenas para vender curso online.
O especialista alerta que pessoas interessadas nesse tipo de conteúdo precisam estar atentos ao perfil desses profissionais. “Eu gostaria de convidar mais empresários ‘fracassados’ para participar das minhas aulas, mas desde que eles pudessem usar esses erros para ensinar como evitá-los”, afirma o educador.
Em alguns casos, esses mentores se aproveitam de um momento de vulnerabilidade financeira dos clientes, aponta a economista da Planejar, Ariane Benedito. “Quando as pessoas estão endividadas é como se elas estivessem doentes. Esse tipo de curso se transforma em um remédio que alivia o problema na hora, mas não resolve a questão”, afirma. “No fim, quem ganha dinheiro com isso é quem vende o curso, e não quem compra. Se fosse fácil assim, seguir uma receita de sucesso, todo mundo estaria rico.”
Veja, abaixo, alguns casos de empresários e personalidades que hoje atuam como coaches.
Eike Batista
Eike Batista se manteve afastado dos holofotes desde 2019. O empresário, que ainda lida com as negociações sobre a falência da mineradora MMX, deu os primeiros passos rumo à vida de coach de negócios em setembro, quando anunciou uma mentoria a empresários – segundo ele, devido a muitos pedidos recebidos de seus seguidores. O empresário Luís Fernando Câmara, dono da rede de escolas de oratória Vox2You, da qual Batista tem fatia de 20%, será o responsável por organizar as mentorias.
Questionado se os casos de insucesso ao longo de sua carreira poderiam atrapalhar seu novo empreendimento no mercado de mentorias, Eike disse, via assessoria de imprensa, que seus projetos são “de alta relevância para o desenvolvimento econômico do País, que garantem emprego e renda a milhares de brasileiros”.
Ainda segundo o empresário – que também já foi preso e fez acordo para indenizar o poder público no âmbito da Operação Lava Jato -, sua história “não se resume às questões da OGX”, que ele diz não terem sido “totalmente esclarecidas”. “No mais, é possível extrair importantes lições de erros e acertos”, avalia o empresário.
José Roberto Marques, ‘mente milionária’
Com mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, o coach José Roberto Marques é o fundador do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC). O IBC tem cursos chamados de análise comportamental, vendas, gestão de pessoas e até “auto coaching”.
Marques ficou conhecido como um dos apresentadores do programa O Aprendiz, em que atuava ao lado do também empresário Roberto Justus. Antes mesmo de aparecer na televisão, ele já era conhecido no mercado por se intitular como “Master Coach Senior e Trainer” e ensinar sua metodologia de uma “mente milionária” em cerca de 40 livros publicados.
Os treinamentos presenciais acontecem em cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba e Rio de Janeiro. É justamente no endereço paulistano que Marques acabou se envolvendo em uma dívida milionária depois de atrasar aluguéis do imóvel. Em 2020, o empresário teve os bens bloqueados pela justiça diante da dívida de R$ 1 milhão comprada pela Paiva Empreendimentos Imobiliários.
Procurado, Marques não respondeu aos contatos da redação.
Dhomini do ‘BBB’
Vencedor da terceira edição do Big Brother Brasil, André Augusto Ferreira Fontes – conhecido como Dhomini – deixou a casa mais vigiada do País, em 2003, com R$ 500 mil no bolso, mas acabou perdendo tudo nos anos seguintes. Se o prêmio fosse corrigido pelo índice que mede a inflação oficial, o IPCA, o goiano teria hoje cerca de R$ 1,5 milhão.
Dhomini ainda tentou seguir no entretenimento, sem sucesso. Montou uma dupla sertaneja que não foi para frente. Em 2013, o ex-vencedor retornou ao BBB, mas saiu sem nada. Com sua história de quem “perdeu tudo”, no início do ano, Dhomini virou garoto-propaganda de uma campanha do Santander, acompanhado de outros ex-BBBs, para falar sobre endividamento.
Apesar de todos os percalços, hoje ele atua como coach e tem um canal no YouTube, com pouco mais de 5 mil inscritos, onde publica vídeos ensinando “como dar a volta por cima”, ou “como ganhar R$ 3 mil em 30 dias”. “Você quer ganhar dinheiro comigo? Quero te oferecer uma renda extra de uma forma muito simples”, afirma o empresário em um vídeo de divulgação sobre marketing multinível.
Procurado, Dhomini não quis dar entrevista.
Ricardo Nunes, da Ricardo Eletro
Ricardo Nunes é mais conhecido pela marca que leva seu nome, a varejista Ricardo Eletro, do Grupo Máquina de Vendas. Ele fundou a empresa e conduziu os negócios do zero a um faturamento anual bilionário. Mas tudo se desfez entre 2015 e 2020. A empresa tenta dar a volta por cima desde então, apesar de ter tido a falência decretada ao menos duas vezes na Justiça.
Fora do grupo há dois anos, Nunes virou coach de vendas na internet, fazendo lives para ensinar aspirantes a empreendedores a criar negócios e aumentar suas vendas. O que Nunes deixa de lado em suas lives é que ele deixou a empresa sob acusação de sonegação de impostos, além de colecionar dívidas com bancos e passivos trabalhistas.
Para ele, nada disso tira seu mérito de ter tirado do chão uma empresa que chegou a ser a segunda maior varejista do País. Agora, além das lives, Nunes também diz preparar um livro que contará sua trajetória, sob o nome de “O Preço do Sucesso”. “Esse livro vai sair no momento certo porque ele ainda tem muitas páginas por serem escritas”, diz, em um vídeo publicado online.
Procurado, Nunes não respondeu aos contatos da redação.
Thiago Nigro, o ‘Primo Rico’
Thiago Nigro, conhecido pelo sucesso do canal Primo Rico, no YouTube, e pela empresa Grupo Primo, teve um problema com um imóvel em 2019: o bem foi a leilão por uma dívida de R$ 1,7 milhão. Nigro tentou renegociar a dívida, sem êxito. Em 2017, a incorporadora Brookfield e a securitizadora Gaia venceram a disputa judicial, e o influenciador digital preferiu não prolongar a briga.
Em 2022, outro revés. Sua empresa de conteúdos foi fortemente afetada pela queda da Bolsa e do valor do bitcoin – já que, com a alta dos juros, as pessoas passaram a se interessar mais por investimentos de renda fixa. Com isso, o projeto teve uma freada brusca, com a demissão de dezenas de funcionários e até a saída de sócios, como Joel Jota e Luciana Seabra.
Além de ensinar sobre finanças, os conteúdos publicados nos canais do YouTube também têm tom motivacional que estimulam o empreendedorismo, sem elucidar sobre os riscos inerentes a essa atividade. Nigro incentiva ainda o trabalho aos fins de semana para fazer renda extra. Nos últimos vídeos, o tema religião passou a ser mais presente e associado a ganhos financeiros.
Procurado, o Grupo Primo não respondeu.
COMO TIRAR O MELHOR PROVEITO DAS MENTORIAS
Testar antes
Os especialistas dizem que a melhor forma de definir se o conteúdo pode ser útil é assistindo a uma prévia. Segundo a economista da Planejar, Ariane Benedito, esse tipo de conteúdo costuma oferecer uma aula teste para que os alunos conheçam o conteúdo e a metodologia.
Conteúdos gratuitos
Antes de sair por aí contratando um novo curso sobre “como obter sucesso nos negócios”, os educadores financeiros indicam que os interessados esgotem primeiro todas as fontes de informação que sejam gratuitas na internet.
Tempo é dinheiro
Além de pesquisar e consumir outros conteúdos, os especialistas indicam que, antes de fechar negócio, os consumidores pensem não só no custo do curso, mas também no tempo necessário para conseguir assistir às aulas e realizar as tarefas propostas no projeto – caso contrário, a assinatura pode ser apenas mais uma forma de gastar dinheiro à toa.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.