Levantamento do Itaú com as 28 maiores economias mostra que o Produto Interno Bruto (PIB) global terminou o segundo trimestre deste ano 3,9% acima do observado no quatro trimestre de 2019, o último antes da pandemia. O problema é que a tendência de crescimento desses países está 2,5% mais baixa. Na prática, quer dizer que cresceram, mas num ritmo fraco desde o início da crise sanitária.
“A maioria dos países voltou ao nível pré-pandemia e retornou mais ou menos no período que a gente acreditava, em 2021, alguns até voltaram em 2022. Foram poucos os que não se recuperaram”, afirma Guilherme Martins, economista do Itaú BBA. “Mas a tendência do PIB da maioria dos países está abaixo (do observado) no período de pré-pandemia. Economias que cresciam bastante estão crescendo menos.”
São três grandes fatores que explicam esse cenário de desempenho mais fraco.
O primeiro é a política “covid zero” praticada nos países da Ásia, sobretudo na China. Nos períodos em que há um aumento de casos da doença, os governos locais voltam a adotar duras medidas de distanciamento social com o objetivo de evitar o aumento de contágios. O segundo tem a ver com a guerra entre Rússia e Ucrânia, que provocou diversos choques, como a disparada do barril do petróleo no mercado internacional.
Aperto nos juros
Por fim, o aumento da inflação global tem levado os principais bancos centrais do mundo a apertar a política monetária. Juros mais altos encarecem o consumo para as famílias e o investimento para as empresas, prejudicando o ritmo da atividade econômica. Não à toa, parte dos analistas não descarta recessão para Europa e Estados Unidos.
No mês passado, por exemplo, Federal Reserve (Fed, banco central norte-americano) subiu as suas taxas de juros em 0,75 ponto porcentual pela terceira vez seguida. Os juros foram para a faixa entre 3% e 3,25%. A autoridade monetária dos EUA também indicou que o aperto monetário deve prosseguir. Na leitura dos economistas, as taxas norte-americanas podem chegar a 5%.
“É um cenário que mostra que a superação da crise provocada pela covid foi muito mais rápida do que a de outras recessões, mas o quadro piorou depois da guerra entre Rússia e Ucrânia e das sinalizações mais duras de banco centrais, particularmente do Federal Reserve”, diz Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Quadro recessivo
Em razão das dificuldades da economia global, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, antecipou nesta semana que o órgão deve rever as suas previsões de crescimento para 2023 em relatório a ser divulgado na próxima semana. Com percepção semelhante, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) passou a projetar um crescimento de apenas 2,2% para o mundo em 2023. Em junho, previa 2,8%. Para este ano, manteve a sua estimativa em 3%.
“É um número que flerta com uma recessão moderada, porque a gente tem de lembrar que a população mundial aumenta 1,1% ao ano”, afirma Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Um PIB mundial que cresce 2,2% – como prevê a OCDE – traz um ganho muito pequeno em termos per capita.”
A OCDE vem piorando sucessivamente as suas projeções para o desempenho da economia mundial, lembra Bráulio. No fim do ano passado, a organização previa avanço do PIB do mundo de 4,5%, em 2022, e de 3,5% em 2023.
“Era um cenário vislumbrado não só pela OCDE, mas por boa parte dos analistas no final de 2021 e no começo deste ano. É mais ou menos o que o mundo cresceu de 2015 até 2019, antes da pandemia”, afirma o pesquisador.
‘Capital humano’
Não é só no curto e no médio prazos que o crescimento global pode ser mais fraco do que o esperado diante desse cenário mais complicado.
Se nada for feito, os analistas dizem que os impactos da pandemia na qualidade do ensino devem afetar o desempenho da produtividade, comprometendo até o futuro da economia.
“As crianças ficaram muito tempo fora da escola, mais no Brasil do que em outros países. A gente viu os dados mostrando quedas muito severas do nível de aprendizado das crianças nesse biênio da pandemia”, diz Bráulio.
Na leitura dele, é possível que haja “uma geração perdida” se os países não desenvolverem políticas públicas educacionais para superar esse período de piora na qualidade da educação.
“Se nada for feito, haverá um dano de capital humano e que vai se refletir lá na frente sobre a produtividade da economia mundial e a capacidade de inovação. Corremos o risco de ver uma geração perdida”, afirma o pesquisador do Ibre.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.