O projeto de Orçamento deve prever cerca de R$ 10 bilhões de emendas de relator para compor o piso de saúde, o mínimo que o governo tem, por obrigação constitucional, que destinar à área no Orçamento. É o que os técnicos de Orçamento chamam de solução “por dentro” do piso de saúde.
Até 2022, as emendas de relator funcionaram, em boa medida, como um adicional de recursos “acima” do piso da saúde. O espaço no Orçamento para as emendas de relator era aberto pelo próprio Congresso. Ou seja, o projeto de Orçamento poderia ser enviado sem a previsão dessas emendas. Agora, para 2023, o próprio Executivo já prevê o espaço para as emendas de relator no projeto de Orçamento.
No Orçamento de 2022, o mínimo obrigatório para a saúde era de R$ 139,8 bilhões. No final, com as emendas de relator acima do piso e outros acréscimos destinados à área, totalizou R$ 150,5 bilhões. Já em 2023, a estimativa é que o Orçamento da saúde fique em R$ 149,3 bilhões, já contando com os R$ 10 bilhões de emenda de relator dentro do piso.
A avaliação é de que essa captura do Orçamento da saúde pelas emendas de relator adicional tende a pressionar ainda mais o Sistema Único de Saúde (SUS) num cenário em que as demandas do setor são crescentes: falta de diversos insumos, como vacina da covid-19 para crianças, soro, contraste e outros itens. Outra fonte de adicional de pressões sobre o SUS para 2023 é que Estados e municípios terão que implementar o piso de enfermagem. Com a redução do Orçamento, as transferências a governadores e prefeitos também podem ser reduzidas.
“Com o quadro atual, a situação do SUS tende a se agravar em 2023: as pressões são crescentes, por exemplo, com aumento da fila para cirurgias, enquanto os recursos podem cair e ainda tendem a ser capturados pelo orçamento secreto”, diz Bruno Moretti, assessor legislativo no Senado e especialista em orçamento público. Segundo ele, os dados apontam a absoluta falta de critérios técnicos nos repasses de Saúde para emendas de relator, que não atendem às crescentes necessidades da área.
O presidente Bolsonaro manteve na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 aprovada pelo Congresso artigo que determina que as emendas de relator já estarão previstas na reserva de contingência do projeto de Orçamento, no montante resultante da soma das emendas individuais e de bancada impositivas. Ao mesmo tempo, Bolsonaro vetou artigo que fixava que no máximo metade da reserva para as emendas de relator poderia ser usada para cumprir mínimos constitucionais, como o de saúde. O valor geral das emendas de relator deve ficar entre R$ 18 bilhões e R$ 19 bilhões em 2023.
Segundo técnicos ouvidos pelo Estadão, o veto abriu caminho para a equipe econômica usar o piso da Saúde para acomodar as emendas de relator no Orçamento. Eles chamam atenção que há risco de os recursos destinados à saúde em 2023 ficarem num patamar menor do que o orçamento atual de 2022, já que devem ser previstos no piso definido pelo teto de gastos.
Na prática, essa composição com as emendas de relator deve ajudar a equipe econômica a fechar o quebra-cabeça do projeto de Orçamento de 2023, que precisa ser enviado até o fim do mês, para acomodar mais gastos em outras áreas que foram criados. Esse é o desenho que está sendo considerado pelo governo até o momento.