“A economia russa, que é muito importante em termos de commodities que são chave, como óleo e gás, será desvinculada do restante do Ocidente. Não há como reconstruir as relações econômicas quando o presidente dos EUA chama Vladimir Putin de criminoso de guerra”, afirmou Ian Bremmer, fundador da consultoria de risco político Eurasia Group.
Os efeitos do conflito na integração global já se apresentam na forçada diversificação energética europeia e no aumento do preço do níquel, que pode desacelerar a produção de carros elétricos, segundo o jornal The New York Times. Também na busca do agronegócio brasileiro por novos exportadores de fertilizantes e na possível piora na crise de produção de semicondutores. E, ainda que haja um acordo de paz para encerrar o conflito militar no futuro próximo, a preocupação com segurança nacional passará a ditar o estabelecimento das novas cadeias de suprimentos.
“Toda a cadeia de produção, distribuição de produtos e logística, toda essa geografia de comércio será afetada. Estamos presenciando um princípio de fim da globalização como conhecemos”, afirmou a especialista em comércio internacional e professora adjunta de Direito Internacional da American University, Renata Amaral. “Como o Brasil vai continuar se dando bem com EUA, Rússia e China? A questão de escolha de lado vai ficar muito mais evidente daqui para a frente, e isso vai se refletir nas decisões de investimento futuro das empresas.”
SANÇÕES. A adoção de sanções econômicas pelos americanos e europeus, na tentativa de estrangular economicamente Putin e a oligarquia russa, causou uma leva de fechamento de empresas ocidentais no país. Segundo a escola de administração de Yale, pelo menos 400 companhias interromperam completamente as operações na Rússia desde o início da guerra. O mais emblemático fechamento de portas foi o da rede americana McDonald’s, um símbolo ocidental que atraiu multidões em 1990 quando abriu as portas em plena União Soviética.
A dependência europeia do gás russo como fonte de energia foi escancarada durante a escalada de tensão regional. Países começaram a estruturar planos para aumentar a independência energética, ainda que isso leve meses ou anos. A promessa da Comissão Europeia é reduzir em dois terços o uso de energia proveniente da Rússia até o fim deste ano e cortar por completo a dependência “bem antes” de 2030, com medidas que incluem o aumento imediato de importação de gás natural de países como os EUA.
“No melhor cenário, ainda haverá um movimento desfavorável à globalização e alguma repercussão contra a China”, diz Bremmer. “A resposta do mundo democrático à agressão e aos crimes de guerra de Moscou é correta, tanto do ponto de vista ético quanto de segurança nacional. Isso é mais importante do que a eficiência econômica”, escreveu o presidente do Peterson Institute for International Economic, Adam Posen, em artigo para a revista Foreign Affairs.
A repercussão das sanções adotadas por europeus e americanos contra o Kremlin e a reação da Rússia atingem a cadeia de produção também do Brasil, que precisou buscar no Canadá acordos com o setor privado para ampliar a importação de fertilizantes que viriam da Rússia. Hoje, o país importa 85% dos fertilizantes utilizados na base da produção agrícola nacional.
DESGLOBALIZAÇÃO. A tendência de desglobalização ou “slowbalization”, a diminuição no ritmo da integração econômica internacional, é observada por analistas desde a crise de 2008. Interrupções no processo de globalização já ocorreram em outros momentos da História, mas, desde o fim da 2ª Guerra até o início dos anos 2000, o mundo vivenciava um aumento no intercâmbio de bens, investimentos, tecnologias e serviços.
A pandemia de covid-19 acelerou o processo de desglobalização, quando a quebra na cadeia de produção imposta pelo fechamento de fábricas expôs fragilidades mundiais. Países adotaram a autoproteção, caso dos EUA, que invocaram leis de defesa nacional para manter em território nacional a produção de respiradores, enquanto o mundo se dava conta de que a China era a produtora de mais de 40% dos equipamentos médicos de proteção individual de todo o mundo.
Para os especialistas, o posicionamento da China ditará o futuro da dinâmica comercial global. “Putin pode se tornar um pária internacional, mas ainda fará negociações com a China, com o Brasil e com nações em desenvolvimento. A grande questão é se a Guerra Fria com a Rússia irá desencadear uma Guerra Fria com Rússia e China”, afirma Bremmer. “Se os chineses seguirem com apoio à Rússia, aí estaremos em um cenário de precipitação da fragmentação da economia global. E de possível desglobalização.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.