A digitalização da operação é uma revolução perseguida pela indústria de petróleo no mundo todo. O experimento mais relevante é o da Equinor, em parceria com a TotalEnergies, na Noruega. Na primeira plataforma desabitada, a Oseberg H, não há banheiros, quartos, cozinha ou qualquer outro espaço necessário à presença humana. Um ou dois profissionais embarcam na unidade uma vez por ano. E só para checar se tudo está funcionando.
O esperado é que essa experiência se dissemine nos próximos anos. No futuro, toda plataforma terá sua versão “gêmea” no computador de uma sala de controle remoto. Qualquer movimento executado em uma se repetirá na outra. Em vez de pessoas, robôs vão circular pelas embarcações. Eles serão os olhos e ouvidos dos operadores em terra.
“Existe um processo tecnológico em andamento para diminuir as tripulações das plataformas, com a utilização de robótica, controle e técnicas de Inteligência Artificial. Outro esforço de inovação é o conceito subsea to shore (do fundo do mar à costa), no qual a produção submarina é transferida por dutos para a costa, sem o uso de plataformas”, afirma Segen Estefen, diretor de Tecnologia e Inovação da Coordenação dos Programas de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da UFRJ, e exmembro do conselho de administração da Petrobras.
Na petrolífera, o programa de automação da produção foi batizado de POB0 (People On Board Zero, em inglês). O projeto está inserido num plano maior de eficiência da Petrobras, o EF100. A estatal se prepara para ser mais eficiente do que a média da indústria já em 2023 e estar entre as líderes do mercado em 2027.
O POB0 foi divulgado pela Petrobras no evento virtual Offshore Technology Conference (OTC), no fim de janeiro. “Acreditamos que, num futuro próximo, teremos o uso intensivo de robôs em plataformas marítimas para fazer inspeções e alguns tipos de procedimentos de operação”, disse Marcelo Ramis, gerente-geral de Eficiência da Operação na Exploração e Produção da Petrobras. No início, as máquinas serão instaladas a cada ano nas atuais plataformas. O controle 100% remoto só será implementado em novas embarcações.
A Petrobras informou que o programa de substituição dos trabalhadores por máquinas está em fase inicial. A estatal admite que há redução dos gastos com logística a ser considerada, mas o principal objetivo é diminuir a exposição de pessoas ao risco, com operações mais seguras e eficientes.
Rafael Costa, pesquisador visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pondera que deve ser levada em conta a realidade brasileira nos projetos. Os navios plataforma usados no pré-sal, por exemplo, são maiores do que os dos pares internacionais, e há muitos trabalhadores envolvidos nas atividades. “Uma inteligência artificial está mais preparada para responder a certos padrões do que para lidar com eventos inesperados”, analisa Costa.
As duas federações representantes dos empregados da Petrobras – Federação Única dos Petroleiros (FUP) e Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) – não tinham conhecimento do programa da Petrobras de substituir empregados por máquinas, nas plataformas, a partir de 2030. O coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, reclamou da falta de comunicação da empresa, que, em sua opinião, deveria ter procurado os sindicatos para debater o assunto.
“Todo esse processo carece de um maior diálogo e negociação com o movimento sindical. No acordo coletivo com a Petrobras, temos um capítulo que trata de inovações tecnológicas. Deveríamos estar discutindo também sobre esse processo, porque, obviamente, isso atinge em cheio o mercado de trabalho no setor de petróleo e gás”, diz. “O processo está ocorrendo à revelia dos trabalhadores”, completa Bacelar.
O diretor da FNP Marcelo Silva de Lima avalia que outro problema da operação remota está na segurança ambiental. Em sua opinião, fará falta uma brigada de emergência embarcada para resolver um problema imediatamente. “Há as vantagens dos trabalhadores não estarem expostos aos agentes químicos que existem na plataforma, principalmente ao benzeno, pela questão cancerígena. Mas pode acontecer algum problema, e a gente não acredita que a operação remota seja capaz de garantir a segurança nas plataformas.”
A Petrobras não divulga o número de trabalhadores embarcados. Mas, em seu site, informa que, na Bacia de Campos, no litoral fluminense, há “7 mil colaboradores trabalhando nas mais diversas frentes de atuação e 25 plataformas marítimas em operação”, o que representa 280 empregados em cada uma das embarcações, em média. Como o trabalho é dividido em dois turnos, são 140 empregados por turno. A FNP contabiliza 320 nas unidades do pré-sal, sendo 160 por turno. A maior parte deles seria de terceirizados. Essa categoria tende a ser também a mais afetada pelas mudanças, já que demiti-la é mais fácil do que no caso dos empregados próprios, concursados.
NOVAS COMPETÊNCIAS. A empresa afirmou reconhecer a capacidade do seu corpo técnico, comprovada pelos desafios tecnológicos vencidos. “O desenvolvimento de novas tecnologias não reduz a necessidade de capital humano, uma vez que os desafios se renovam e exigem novas competências dos profissionais da companhia”, argumentou.
Segundo a estatal, uma prova da continuidade da valorização do capital humano é a realização de um novo concurso público com 757 vagas, que está aberto, e a realocação dos empregados que atuavam em ativos em processo de desinvestimento que quiseram permanecer na empresa. “Além disso, a empresa investe de forma contínua e consistente no desenvolvimento e na capacitação de seus empregados e lhes proporciona oportunidades de movimentação.”
A Petrobras já tem plataformas com produção operada remotamente e apenas equipes de manutenção e reparos a bordo. Cada funcionário permanece 14 dias consecutivos nas unidades marítimas e costuma trabalhar em turnos das 7h às 19h e das 19h às 7h.
Em geral, dentro de uma unidade há uma equipe operacional, que regula válvulas e equipamentos, e outra de lastro, que monitora permanentemente o equilíbrio da embarcação. Todas essas atividades são importantes para a produção, que é perigosa também por causa do uso de materiais inflamáveis. Há ainda a brigada de incêndio.
“É um ambiente industrial perigoso. Não podemos ter pessoas inexperientes e com salários baixíssimos”, afirmou Bárbara Bezerra, técnica em Segurança do Trabalho da Petrobras e diretora do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF). “A Petrobras tem diminuído muito o contingente. Tem de ter a quantidade correta de pessoas. Conhecendo os riscos, é possível conhecer a prevenção.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.