Nesta entrevista, ele fala também que é falsa a narrativa de que é preciso acabar com o teto para aumentar os gastos sociais. “Responsabilidade social não significa irresponsabilidade fiscal e vice-versa”, diz Goldfajn, que deverá assumir o cargo de diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI (Fundo Monetário Internacional) em janeiro.
De forma geral, como o sr. avalia a situação econômica do País?
Quando saí do Banco Central, em fevereiro de 2019, a percepção era de que a gente poderia entrar num período mais longo de inflação baixa e de juros baixos e teria de se preocupar mais com o aumento da produtividade e a questão fiscal. Então, acho uma pena que, no fim de 2021, a gente tenha voltado a uma inflação de dois dígitos e provavelmente esteja caminhando também para juros básicos de dois dígitos, o que considero um retrocesso. A situação conjuntural é tal que não poderemos dizer que será resolvida em um mês, seis meses ou mesmo um ano. Vamos precisar de pelo menos dois anos para arrumar a casa.
Quer dizer que quem assumir a Presidência em 2023, seja quem for, ainda terá de lidar com esse cenário difícil?
Em 2023, a gente ainda vai ter inflação alta e juro alto e a necessidade de voltar a crescer. Na melhor hipótese, o ano que vem será de pouco crescimento. Se não houver queda do PIB (Produto Interno Bruto), já vai ser bom. Não vejo que estejamos diante de um problema que possa ser resolvido rapidamente. É algo que vai exigir novamente uma arrumação da casa: reformas, ajuste fiscal, trazer a inflação para baixo, reduzir os juros.
Até que ponto isso se deve a fatores externos e até que ponto tem a ver com questões internas?
Houve uma conjunção de fatores, externos e internos. Claro que o choque externo foi relevante, porque fez com que a gente tivesse de gastar o que não tinha, aumentando a dívida pública. Agora, a gente magnificou o choque com várias questões domésticas, que tiveram efeito na inflação, nos juros, no câmbio.
Que fatores internos amplificaram o choque externo?
Primeiro, as incertezas econômicas. A questão fiscal, a dívida que você vai fazer, as reformas que não saem, a falta de apoio político ao teto de gastos. O teto caiu na semana passada, mas vem sendo torpedeado por todo mundo ao longo dos últimos dois anos – pelo Congresso, pela oposição, pelos ministros. Depois, houve as incertezas políticas, decorrentes das brigas homéricas do governo federal com os Estados, o Judiciário, o Congresso, que culminaram com o enfrentamento com o Supremo Tribunal e a percepção de ameaças à própria democracia. Essas incertezas viram inflação, câmbio depreciado, juros maiores, investimento menor, emprego menor, renda menor.
Como o sr. analisa a atuação do Banco Central em 2020 e mais recentemente, com a alta dos juros?
Em termos monetários, talvez a gente tenha sido otimista demais com a nossa estabilidade. Houve um certo otimismo, não só do Banco Central, mas do mercado, de todo mundo, em relação aos juros que podemos ter no Brasil, dada a nossa situação fiscal e todos os ruídos que a gente estava enfrentando. Sempre fui a favor de uma política monetária serena, que não andasse na frente dos progressos. Uma das grandes críticas à minha gestão no Banco Central foi de que nós demoramos para cortar as taxas. A gente quis estabilizar antes, ver as expectativas, para então colher os frutos. Tenho a impressão de que o mercado, a sociedade, gosta de colher os frutos antes de estarem maduros.
Na questão específica da violação do teto de gastos, qual a sua visão?
A queda do teto, como falei há pouco, é consequência de uma pressão permanente. O ministro da Economia e os secretários ficam sempre lutando contra o resto, precisando de apoio político para conseguir se contrapor a tudo e a todos. A percepção que ficou foi de que a medida talvez tenha cunho eleitoral e de que o teto acabou e o País perdeu a âncora fiscal. Isso é grave. O que assusta não são os R$ 30 bilhões ou os R$ 80 bilhões de gastos a mais que querem fazer fora do teto, mas o fato de não haver uma ferramenta que permita um controle das contas públicas.
Como o sr. vê o argumento de que o “furo” no teto é para viabilizar gastos sociais?
A narrativa de que ou tem o teto ou tem gasto social é falsa. Os R$ 30 bilhões, R$ 40 bilhões, R$ 50 bilhões necessários para o Bolsa Família cabem num orçamento de R$ 1,5 trilhão. É só a gente conseguir fazer as opções. Só que a gente não quer fazer as opções. Quer ter emendas do relator, gastos obrigatórios, fundo eleitoral, reajuste de salários do funcionalismo. A gente quer ter tudo. Acreditamos como sociedade que o Estado está sempre nos devendo algo. As reformas que são para tirar do orçamento um pouco do que não é absolutamente necessário não andam. O Brasil tem de ir em direção às economias que já amadureceram e souberam que responsabilidade social não significa irresponsabilidade fiscal e vice-versa.
De repente, se o teto fosse mantido, talvez lá na frente o governo tivesse até uma folga no orçamento, com um crescimento mais forte da economia, uma arrecadação maior e um gasto menor com juros.
Houve um momento neste ano em que deu uma sensação de alívio, porque a economia retomou o crescimento e a arrecadação voltou. Se o teto fosse mantido, esse processo continuaria. Mas o que aconteceu? Com os ruídos internos, esses ruídos políticos, você dobrou a inflação externa. Metade da nossa inflação é externa e a outra metade a gente criou.
No caso do parcelamento dos precatórios, que é outra medida que está em discussão para abrir espaço fiscal, qual a sua avaliação?
O ideal é respeitar o que foi julgado. Se foi julgado, tem de ser pago, caber de alguma forma nas contas. O que é preciso fazer é um esforço anterior para o Estado defender sua posição, saber se esses precatórios têm mérito. A gestão não pode ser feita a posteriori. Não podemos considerar os precatórios como algo que vem de fora e nos atinge. É preciso acompanhar o julgamento, olhar o que está acontecendo. Tem de trabalhar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.