Com ações negociadas na Bolsa de Valores, a Sanepar tem 60% do seu capital nas mãos do Estado paranaense. A proposta de extensão dos contratos foi colocada em consulta pública no fim de novembro, e preocupou integrantes do governo federal, que enxergam risco de burla ao novo marco do saneamento. Já a estatal afirma que o modelo do Paraná “segue rigorosamente” a lei e as diretrizes de política pública previstas na legislação estadual.
Em vigor desde julho de 2020, o novo marco prevê a maior participação da iniciativa privada no setor. Para isso, a lei determina que as prefeituras só podem contratar empresas para prestar essa atividade por meio de licitação. Até então, os municípios podiam fechar contratos diretamente com as empresas estaduais de saneamento. Também foi proibido a prorrogação dos atuais contratos.
O quadro atual de atendimento, dominado pelas empresas públicas, mostra a falta de investimentos no setor. Cerca de 16% da população do País não tem fornecimento de água potável e quase metade não é atendida com rede de esgoto. Em razão desse cenário, a lei determina que, para manterem seus contratos, as estatais precisavam comprovar capacidade econômico-financeira para cumprir as metas de universalização.
São elas: atender a 99% da população com água potável e a 90% com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033. Essas metas precisam ser incluídas nos contratos até março do próximo ano, sob pena de se tornarem inválidos.
BRECHA JURÍDICA
É dentro desse processo de adequação que a Sanepar pretende prorrogar a validade de seus contratos. Quando o marco foi aprovado, o Congresso chegou a permitir a renovação dos contratos fechados sem licitação por mais 30 anos, mas a norma foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro – decisão posteriormente mantida pelos parlamentares. As discussões em torno do tema geraram grande polêmica à época, já que governadores, responsáveis pelas estatais, pressionaram parlamentares a retomar a sobrevida desses negócios.
O Paraná apostou numa argumentação jurídica para afirmar que não está descumprindo a lei ao adotar a prorrogação. A justificativa dada é que a inclusão das metas de universalização resultariam num desequilíbrio econômico-financeiro no negócio, o que precisaria ser compensado de alguma forma. Há várias alternativas previstas em lei para recompor o equilíbrio de contratos, mas a alegação é de que a prorrogação seria a única saída possível nessa situação. O impacto tarifário estimado com a inserção das metas, argumenta o governo estadual, seria “incompatível”‘ com a capacidade de pagamento dos usuários.
A estatal chegou a encomendar um parecer jurídico sobre o tema. Nele, advogados do Manesco Ramires Perez Azevedo Marques afirmam que a extensão de prazo para reequilibrar os contratos se distingue da “prorrogação discricionária”. Somente essa, segundo eles, seria vedada. “No presente caso, a extensão de prazo é exigência tanto do princípio da modicidade tarifária como do princípio constitucional da isonomia, nos casos entre os usuários que tenham prestação regionalizada”, afirmam.
Técnicos do governo afirmam que essa distinção não existe. Para eles, haveria também uma espécie de inversão de ônus na situação. O marco exige que as empresas comprovem ter estofo para fazer os investimentos necessários e cumprir as metas de universalização. Do contrário, o contrato é encerrado. Mas a extensão dos prazos faz o caminho contrário: dá condições mais benéficas à empresa para alcançar esse propósito.
Há ainda o temor de que a tese da prorrogação seja usada por mais estatais de saneamento, se somando a outras ofensivas contra o marco que já estão em curso (veja quadro ao lado).
‘ESTUDOS’
Procurada, a Sanepar afirmou que todo o processo de elaboração da legislação estadual foi amplamente discutido com a sociedade em consultas e audiências públicas. Segundo a companhia, a extensão de prazo dos contratos até o ano de 2048 considerou o ano de término do contrato de Curitiba, “que representa uma porcentagem significativa do faturamento da companhia”. “Sem o qual toda a prestação regionalizada ficaria comprometida. Tudo está amparado em estudos e notas técnicas que estão disponíveis no site”, disse a Sanepar.
A regionalização do saneamento no Estado, outro pilar do marco legal, se deu com a criação de três microrregiões. É com elas que os contratos da Sanepar serão pactuados, já que, pelas regras da lei, as microrregiões passam a ter a titularidade dos serviços de água e esgoto. Atualmente, a estatal é responsável pelo atendimento de 346 municípios. Doze contratos estão vencidos, dois vencem em 2021, 51 têm prazos de validade que vão de 2022 a 2030 e 281 vencem após 2030.
Questionado pela reportagem sobre a proposta da Sanepar, o Ministério da Economia afirmou que o assunto ainda está em discussão e que, por isso, não vai se manifestar.
CONTESTAÇÃO
As investidas contra o marco do saneamento
– Prazos: Estatais pressionam para estender o prazo para a inclusão das metas de universalização nos contratos vigentes. Pelo texto do marco, isso precisa ser feito até março de 2022.
– Na Justiça: As empresas públicas também buscam esticar o prazo para a comprovação de capacidade econômico-financeira de seus contratos. Uma ação foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal.
– Licitação: Outra manobra passa pela defesa de tese para dispensar a obrigatoriedade de licitação. Quem regionalizou os serviços por meio de microrregiões divide a responsabilidade das atividades com as prefeituras. Essa titularidade compartilhada fomentou a teoria de que a região poderia fechar contratos diretamente com a empresa estadual, sem a necessidade de concorrência pública.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.