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Aversão a risco com possível invasão da Ucrânia segura dólar na casa de R$ 5,24

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Estadão Conteúdos

A onda de aversão ao risco que emergiu no exterior após notícias dando conta de que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, já teria decido invadir a Ucrânia tirou o brilho do real na etapa final da sessão desta sexta-feira, 11, e impediu que a taxa de câmbio, como o desenrolar do pregão sugeria, fechasse abaixo de R$ 5,20 – algo que não ocorre desde 6 de setembro do ano passado.

Em baixa durante todo o dia, o dólar chegou a acelerar o ritmo de queda ao longo da tarde e, em consonância com a valorização da Bolsa, desceu até a mínima de R$ 5,1814 (-1,15%). O real se valorizava de mãos dadas com seus principais pares, como o peso mexicano e o rand sul-africano, surfando a tese de rotação global de carteiras, que leva investidores a abandonar a Bolsa americana para alocar em ativos emergentes depreciados.

Declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no início da tarde ratificavam a perspectiva de continuidade do aperto monetário e de taxa Selic acima de 12% ao ano – o que garante juro real gordo e estimula as operações de carry trade (que exploram o diferencial de juros entre países). Depois de afirmar que o BC brasileiro saiu na frente no aperto monetário, Campos Neto reafirmou que vai usar “todas as ferramentas para trazer a inflação para a meta”.

A maré virou pouco antes das 16h, quando surgiu a notícia, da PBS News, de que, segundo três fontes ocidentais, os Estados Unidos acreditam que o presidente russo decidiu invadir a Ucrânia. Na sequência, a porta-voz da Casa Branca, Jean Psaki, afirmou, em entrevista coletiva, não saber se Putin já se decidiu pela ação militar, mas que uma decisão poderia ocorrer “a qualquer momento”. O Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, afirmou que os riscos de uma invasão a Ucrânia são grandes o “suficiente” e que “está claro que é possível uma ação”.

A reação dos mercados foi óbvia: buscar abrigo no dólar e nos Treasuries, cujas taxas bateram mínimas. O retorno da T-note de 10 anos, principal ativo do mundo, voltou a ser negociado abaixo de 2%. As cotações do barril do petróleo subiram mais de 3% e as bolsas americanas aprofundaram as perdas.

O índice DXY – que mede o desempenho da moeda americana frente a uma cesta de seis divisas fortes – acelerou a alta e superou os 96,000 pontos, sobretudo por conta da fraqueza do euro. O dólar também ganhou força em relação a divisas emergentes, diminuindo as baixas frente ao peso mexicano e passando a operar em alta ante o rand sul-africano, enquanto avançava mais de 3% na comparação com rublo.

Por aqui, a moeda rapidamente correu do patamar de R$ 5,18 para a casa de R$ 5,22, embora ainda seguisse em queda. Nos minutos finais do pregão, com o aguçamento ainda maior da percepção de risco, o dólar chegou a operar em alta, tocando o patamar de R$ 5,24. A divisa acabou encerrando a sessão praticamente estável, a R$ 5,2424 (+0,01%). No acumulado da semana, o dólar perdeu 1,20%. O dólar futuro para março fechou a R$ 5,2730, em alta de 013%, com volume negociado de US$ 14 bilhões.

O fortalecimento do real ao longo da semana está escorado em uma expressiva entrada de recursos estrangeiros, atestada pelos dados semanais do fluxo cambial divulgados pelo Banco Central na quarta-feira (09). Na semana de 31 de janeiro e 4 de fevereiro) o fluxo foi positivo em US$ 4,936 bilhões, graças a entrada líquida de US$ 4,569 bilhões pelo canal financeiro (dinheiro para aplicação em portfólio).

“O fluxo domina o movimento do dólar. O problema é que duro prever o fluxo”, graceja o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima, ressaltando que o apetite dos investidores estrangeiros por ativos emergentes surpreendeu neste início de ano, marcado por apostas em uma alta cada vez mais forte de juros pelo Federal Reserve.

Lima ressalta dois aspectos que podem estar por trás dessa avalanche de recursos. Um deles é a mudança de postura da China, que passou a estimular o crescimento no curto prazo com instrumentos financeiros, o que tende a fortalecer as commodities, e por tabela, carrear recursos para países da América Latina. Outro é a diminuição dos temores de uma grande deterioração fiscal de nações emergentes, incluindo o Brasil. Isso graças a uma desaceleração dos gastos dos governos de 2020 (auge dos desembolsos para combater os efeitos da pandemia do coronavírus) para 2021.

“Além disso, os juros mais elevados começam a fazer diferença na relação risco e retorno para o estrangeiro”, diz Lima, acrescentando que parece estar em curso realmente uma rotação de portfólio, com investidores realizando lucros em mercados desenvolvidos para buscar retorno em ativos de emergentes que se encontravam muito depreciados, caso da Bolsa brasileira e do real. “Pelos fundamentos, o dólar tem espaço para ir mais para baixo. Mas não se sabe até quando esse fluxo vai continuar”, diz.

A economista-chefe e especialista em câmbio do Banco Ourinvest, Cristiane Quartaroli, observa que – além do fluxo para Bolsa e da perspectiva de alta das commodities – houve um alívio fiscal de curto prazo entre ontem e hoje, com as lideranças no Congresso Nacional dando sinais de que “devem focar em alguma redução de tributos de combustíveis”, para ter menor impacto possível na arrecadação. As preocupações nas mesas de operação giram em torno das PECs dos combustíveis apresentadas na Câmara e no Senado, esta última com potencial de eliminar mais de R$ 100 bilhões em receita.

“Essa queda do dólar está muito relacionada a movimentos técnicos, já que nosso pano de fundo macroeconômico ainda é ruim, com crescimento baixo e inflação elevada. Hoje, o câmbio reagiu de forma positiva a esse alívio fiscal”, diz Quartaroli, ressaltando que, a despeito da queda recente, a taxa de câmbio – que serve como uma medida de percepção de risco – ainda se encontra em patamares elevados.