As indicações dos varejistas que operam nesse segmento são de que as inaugurações devem continuar em ritmo acelerado nos próximos anos, por causa da conveniência proporcionada por essa loja, que fica praticamente dentro da casa das pessoas. No entanto, este modelo enfrenta um desafio adicional em relação ao varejo tradicional: o alto índice de furtos.
Na lista preferencial de itens furtados estão cigarros, bebidas alcoólicas, sorvete e chiclete. Essas unidades também são conhecidas também como “mercado honesto” (honest market), pelo fato de funcionarem sem a presença de vendedores e com o pagamento da compra feito por meios eletrônicos na base da confiança do consumidor.
“O furto de mercadorias em lojas autônomas em condomínios chega a até 6% do faturamento, enquanto em um supermercado tradicional gira em torno de 3%”, afirma Hélio Freddi, diretor da rede de supermercados Hirota, que tem os dois tipos de loja.
A varejista acaba de inaugurar a centésima loja em condomínio na capital paulista. Vai abrir mais quatro até dezembro e tem planos de mais 100 novas unidades em 2023, mas registra nível elevado de furtos em 79 das unidades em funcionamento. Segundo o executivo, no supermercado tradicional há mais barreiras ao furto, como seguranças e outros clientes.
Reconhecimento facial
Para inibir as ocorrências, Freddi conta que decidiu investir em duas frentes tecnológicas. Já instalou em 35 lojas um sistema de reconhecimento facial para liberar a entrada. Também está adotando um mecanismo antifurto que usa inteligência artificial, a fim de cruzar as imagens de câmeras captadas nas lojas com o que é pago no caixa autônomo (self check-out) ou por meio do aplicativo. “Em caso de suspeita de furto, em seis segundos a área de prevenção de perdas é acionada”, explica.
Apesar do mercado ser promissor, o executivo não imaginava que precisaria ter um departamento dedicado, com cerca de 15 funcionários, para cuidar da segurança. “Achávamos que teríamos um ou outro problema, mas não nesse volume.”
Com 2.064 lojas em 130 cidades, das quais 90% franquias, a Market4u também está às voltas com furtos. “Com certeza, esse é o maior obstáculo do nosso negócio”, afirma Eduardo Cordova, sócio da empresa. Ele conta que os furtos correspondem a cerca 5% das vendas das 300 lojas da marca.
A empresa, que teve origem no setor de “vending machine” e estreou com micros mercados em fevereiro de 2020, opera de forma diferente da concorrência. Isto é, as prateleiras com os produtos são abertas ao público e ficam em áreas de circulação dos condomínios.
Faz quatro meses que a varejista implantou um sistema desenvolvido com a empresa de tecnologia Positivo. Por meio de câmeras, são gerados alertas para equipe dedicada de 20 pessoas que monitoram eventos suspeitos de furtos 24 horas. Se for detectada alguma suspeita, a varejista entra em contato com o síndico para localizar o morador e fazer uma cobrança amigável. “Temos conseguido reaver as perdas por causa da tecnologia”, diz o executivo.
Apesar dos desafios, a companhia tem metas ambiciosas: quer chegar a 10 mil lojas nos próximos dois anos. “Temos construtoras e administradoras de condomínios que nos procuram para fechar parcerias na instalação dessas lojas em empreendimentos que serão lançados e em imóveis antigos também.”
Já a Best Market, com 70 lojas em funcionamento em São Paulo, tem um índice de furtos menor do que os concorrentes, entre 2% a 3% das vendas. Apesar disso, considera esse um ponto crucial do negócio. Segundo Fabio Scomparim, sócio-fundador, todas as unidades da rede são monitoradas 24 horas por uma equipe interna que acompanha tudo que sai das prateleiras e o que entra no caixa da loja.
Ele observa que há ocorrências de furtos em todos os perfis de condomínios, independente da faixa de renda do edifício. Mas, quando o furto é identificado, acaba sendo muito raro o morador se recusar a pagar a conta. Outro ponto observado pelo executivo é que, ao contrário de uma loja de rua, a ocorrência de furto não se repete com o mesmo morador.
A companhia, que começou a operar em 2021, quer fechar este ano com 110 lojas próprias em condomínios e não acredita que o furto possa deter o seu plano de expansão. Para 2023, a expectativa é ter mais 70 lojas próprias e 200 lojas licenciadas, com a bandeira Live Market.
Boom provocado pela pandemia
Quando veio pandemia, em março de 2020, a Nutricar, que atuava com carrinho de alimentação circulando dentro de empresas, viu as vendas caírem a zero. A saída foi impulsionar um projeto de micromercados residenciais.
“Foi um boom”, diz Bernardo Fernandes, sócio da Nutricar. Desde abril de 2020, foram abertas entre 15 a 20 lojas dentro de condomínios por mês. Hoje, a companhia tem 380 lojas neste formato em São Paulo, no ABC paulista e em Alphaville. A meta é fechar este ano com 400 lojas e acelerar em 2023, abrindo entre 20 a 25 lojas por mês.
Fernandes reconhece a existência de furtos nesse modelo de negócio, especialmente no seu caso onde as prateleiras são abertas. Mas ressalta que os furtos não são um gargalo à expansão. “Das 250 lojas residenciais, menos de 10 têm furtos na faixa de 3% do faturamento. Na média de todas as unidades, as ocorrências oscilam entre 1% e 1,5%. “Quando bate 3%, soa o sinal de alerta”, diz.
Reedição dos atacarejos
Enquanto o projeto de micromercados dentro de condomínios segue acelerado nas empresas de porte médio e pequeno, nas grandes companhias o ritmo de expansão é lento e há quem não tenha esse formato de loja, como o GPA, vice-líder do setor de supermercados e dono da bandeira Pão de açúcar.
Já o Carrefour, líder em supermercados do País, tem hoje 20 lojas autônomas, sendo 18 em edifícios residenciais e 2 dentro de empresas.
Questionado sobre a lentidão no ritmo de inaugurações, o diretor de Proximidade do Grupo Carrefour, João Gravata, disse, em nota, que “as lojas autônomas fazem parte das opções que o Grupo Carrefour proporciona aos clientes em formatos que se complementam entre si e sua expansão segue a lógica de entendimento destas oportunidades e entrega da melhor experiência aos clientes”.
Mas, na avaliação de especialistas de varejo, a timidez e até o aparente desinteresse dos grandes supermercadistas por esse segmento de mercado é explicada pela tamanho reduzido dessas operações. Apesar de ser muito valioso para as grandes varejistas ter a sua marca dentro da casa do consumidor, não faz sentido econômico começar uma operação do zero, enfrentar todos os obstáculos, como a alta incidência de furtos, e ter lidar com as demandas de moradores e síndicos.
Ao que tudo indica é que, passado o boom desse tipo de loja, as grandes varejistas devem ingressar nesse segmento por meio de aquisições, mas mantendo à frente do negócios os fundadores dessas companhias que sabem operar o dia a dia desse segmento. Se a previsão se concretizar, as gigantes do setor de supermercados poderão repetir o que aconteceu, alguns anos atrás, com os atacarejos.