As marcas econômicas ou “taleban” – em referência às táticas de guerrilha no Afeganistão -, com preço pelo menos 20% menor do que a média do mercado, estão cada vez mais escassas nos supermercados. Essa é mais uma dificuldade para as famílias levarem para casa tudo o que precisam, sobretudo no momento em que o orçamento anda pressionado pela disparada da inflação e pela queda na renda.
Levantamento feito a pedido do Estadão pela startup Varejo 360, especializada em pesquisa de mercado, mostra que metade de uma lista de dez produtos básicos têm menor quantidade de marcas econômicas hoje em relação a 2015, quando a inflação atingiu 10,67%.
A pesquisa revela que o número de marcas taleban recuou para arroz, feijão, leite integral, suco em pó e detergente. Em 2015 havia 14 marcas econômicas de arroz, 38 de feijão e duas de leite. Hoje são só 6 de arroz, 7 de feijão e nenhuma de leite.
No caso do óleo de soja e do açúcar, não houve oferta de marcas econômicas nos dois períodos. “As duas categorias continuam super concentradas, com cinco marcas”, diz Fernando Faro, sócio da consultoria e responsável pelo levantamento.
A pesquisa aponta que o total de marcas econômicas para essa lista de dez itens, que somava 161 em 2015, caiu para 116 neste ano e a fatia nas vendas no período recuou cerca de 40%.
Cardápio
A menor oferta de marcas econômicas fez a microempresária Aline de Marche, que prepara e vende comida caseira pela internet, mudar a lógica de seu negócio. “Hoje, primeiro vou às compras, vejo o que está com preço viável e, depois, faço cardápio.” Nos últimos tempos, ela deixou de preparar o tradicional filé a parmegiana. Além da alta do preço da carne, Aline não encontra para comprar a marca de polpa de tomate que tinha um preço 30% menor do que a líder e que atendia às expectativas de sabor.
A falta de regularidade na entrega de produtos, agravada pela dificuldade de obter matériaprima por causa da pandemia, é um dos fatores que levaram à redução da oferta de marcas econômicas nas grandes redes de supermercados.
“Tudo que uma rede varejista não pode ter é ruptura (falta de produto) e a grande preocupação hoje é o suprimento”, afirma o consultor Luís Alberto Paiva, sócio da Corporate Consulting, especializada em reestruturação de empresas. A desorganização, presente na indústria desde o fim de 2020, atingiu sobretudo os pequenos e fez grandes varejistas reduzirem o número de fornecedores. Com isso, as compras se concentraram nos mais fortes, diz Paiva.
Hoje, mais de 60% dos 12 mil itens vendidos nos supermercados de médio porte estão concentrados em 25 empresas globais, que têm entre 250 e 300 marcas, diz Fernando Gibotti, presidente do conselho da GS Ciência do Consumo.
A difícil situação financeira das pequenas empresas na pandemia ampliou a concentração. Companhias menores foram compradas pelas maiores, e houve casos extremos de pequenas que fecharam as portas.
Além disso, o espaço cada vez mais “caro” nas prateleiras das lojas – com a exigência de participação de fundos promoção, por exemplo -, as grandes indústrias lançando uma segunda marca com preço ligeiramente menor e o avanço das marcas próprias acabaram expulsando as taleban das grandes redes.
O suco em pó Camp, fabricado pela General Brands, cujo preço ao consumidor é 40% inferior ao das multinacionais, está fora dos grandes supermercados. “Eles querem verba de introdução, e o preço de contrato é alto. Então, vamos para os atacarejos e redes independentes”, diz Isael Pinto, presidente da empresa, que está em recuperação judicial desde 2014.
Para a cerealista Barcelona Alimentos, dona das marcas de feijão carioca Leivinha e Pina, também está mais difícil vender nas grandes redes. A companhia de médio porte chegou a comercializar os grãos da marca Pina para grandes varejistas no passado. Mas, hoje, com tantas exigências, desistiu desse canal. A cerealista optou por focar em supermercados menores e empresas especializadas em cesta básica.
Marca própria avança no espaço das ‘econômicas’
Num ambiente de concorrência acirrada, a marca do próprio varejista tem sido a saída das redes de supermercados grandes e pequenas para fidelizar os clientes e preencher o espaço deixado pela redução da oferta de marcas econômicas. As marcas próprias são mais em conta do que as líderes. No entanto, não são tão baratas como as ‘taleban’.
O avanço das marcas próprias de itens básicos em supermercados, hipermercados e atacarejos ocorre pelo crescimento das vendas e pela incorporação de novos produtos. Levantamento da consultoria GS Ciência do Consumo mostra que, de janeiro a setembro, as vendas de marca própria cresceram 72,5% nos pães industrializados, 68% no arroz, 64% no café, 39% nas sopas e caldos, 24% nos legumes congelados, 14% no biscoito doce e 13% no macarrão, ante igual período de 2020.
“De três anos para cá, as marcas próprias ganharam muita força, e o que era privilégio das grandes redes passou a acontecer nas pequenas, em empresas regionais com 10 a 15 lojas”, afirma Fernando Gibotti, presidente do Conselho da consultoria.
Com o crescimento das marcas próprias, ele explica que o espaço dentro dos supermercados ficou mais disputado financeiramente pelas indústrias. Esse é outro motivo que tem dificultado o acesso de marcas econômicas às grandes varejistas.
União. Sete anos atrás, 13 supermercados, com faturamento superior a R$ 15 milhões e que juntos têm 262 lojas, criaram a Associação Unigrupo Brasil para fazer diretamente as importações. Desde fevereiro deste ano, esses varejistas criaram uma marca exclusiva e comum a todos, chamada “Casa de Mãe”. “Começamos com 11 itens, estamos indo para 40 este mês”, conta Sandra Caires Saboia, diretora de marca própria da associação. A meta é ter toda a linha de produtos, entre alimentos, higiene e limpeza, chegando a 2 mil itens em três anos.
A ideia de marca única para todos os varejistas é reduzir os custos de negociação com a indústria, por conta do volume maior. Sandra observa que, dependendo da categoria, a diferença de preço entre a marca própria e a marca líder é de pelo menos 20%. “A nossa marca não quer ser o primeiro preço.”
O crescimento exponencial da procura dos varejistas para ter a sua própria marca tem sido motivado pela necessidade de tornar o cliente fiel à loja em razão da concorrência, sobretudo, dos marketplaces. Outro motivo é a disparada da inflação. “São vários movimentos acontecendo ao mesmo tempo”, diz Antônio Sá, sócio da Amicci, consultoria especializada em marcas próprias.
No último ano, por exemplo, a empresa engordou sua lista de clientes com 30 novos varejistas, a maioria do setor de supermercados. Antes da inflação dar um galope, a consultoria atendia cerca de 60 varejistas.
Sá conta que os produtos mais demandados para desenvolvimento de novos projetos neste momento de inflação alta são os básicos: arroz, feijão, café, papel higiênico, artigos de higiene e fralda infantil.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.