O ICMS é o principal tributo dos Estados. Em julho, uma lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro impôs um limite entre 17% e 18% para a cobrança da alíquota – antes, chegava a superar 30%, dependendo do Estado e produto. Governadores questionam a medida e trabalham por uma compensação no caso de queda na receita. Um grupo criado no Supremo Tribunal Federal (STF) tenta um acordo sobre o tema, mas ainda não houve avanços. Segundo o Comitê Nacional de Secretários da Fazenda dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz), a perda pode chegar a R$ 125 bilhões em 12 meses.
Em 2023, uma reestruturação fiscal nas contas estaduais, com corte de gastos, já é dada como certa. Nas projeções do Itaú, o custo do ajuste deve chegar a R$ 70 bilhões, para que o resultado primário (aquele que não leva em conta o pagamento de juros) dos Estados fique em 0% do Produto Interno Bruto (PIB). Se nada for feito, os Estados podem ter um déficit de 0,7%. Em 2022, a previsão é de um superávit de 0,5%.
“Os Estados vão perder receita pelo desempenho das commodities, pela desaceleração do crescimento econômico, pela lei do ICMS”, diz Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco. “Com certeza, alguns Estados vão sofrer mais do que outros.”
O futuro das finanças estaduais preocupa porque, não faz muito tempo, boa parte dos Estados enfrentou uma crise fiscal severa. Salários de servidores foram atrasados, pagamentos de fornecedores, suspensos, e obras deixaram de ser concluídas. Serviços públicos também foram afetados.
“É possível que no início de mandato, chamado de ‘lua de mel’, haja uma tentativa por parte dos governos estaduais de recompor a sua receita de ICMS, seja por meio de novos tributos ou pela revisão de regimes especiais”, afirma Juliana Damasceno, economista da consultoria Tendências.
Um levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado mostra que a arrecadação com o tributo somou R$ 174,061 bilhões no terceiro trimestre deste ano, uma queda de 6,5% na comparação com o mesmo período do ano passado. “Não é uma situação dramática como a gente observou na última eleição, com vários Estados com dificuldade de pagamento, mas é um cenário que traz uma preocupação se nada for feito”, diz Vilma Pinto, diretora da IFI.
Rombo fiscal volta a ser ameaça
Nos últimos anos, as contas estaduais foram beneficiadas por uma conjuntura inédita. Por causa da pandemia de coronavírus, a União realizou transferências bilionárias para o caixa dos Estados e houve a proibição do reajuste dos salários dos servidores em 2020 e 2021. Os governadores também foram ajudados pela reabertura da economia, depois de superada a pior fase da crise sanitária, o que aumentou a arrecadação do ICMS, e pela alta nos preços das commodities.
“Não adianta achar que, pelo fato de os caixas estarem mais cheios, há uma capacidade de assumir mais gastos. Na verdade, constitucionalmente, parte disso está comprometida e vinculada, como é o caso de saúde e educação”, diz Juliana Damasceno, economista da consultoria Tendências.
Para o Comsefaz, a breve melhora dos índices em 2020 e 2021 deve ser vista com cautela, pois são resultados apenas “ilusórios, que não se sustentarão ao longo dos próximos anos”. O comitê argumenta que o efeito da inflação poderá mascarar ainda mais a situação. Isso porque a correção inflacionária eleva a arrecadação, enquanto os reajustes das despesas são mais espaçados. “Esse descompasso temporal gera uma falsa sensação de aumento das receitas públicas.”
Outro ponto é que, apesar das mudanças do ICMS, o Congresso Nacional aprovou uma série de medidas para melhorar a qualidade dos serviços públicos, como o Novo Fundeb e o Piso Nacional da Enfermagem. Grande parte dessas responsabilidades é dos entes subnacionais. “O Fundeb, por exemplo, é financiado majoritariamente pelo ICMS. A equação não fecha, não é possível garantir sequer a manutenção, quanto mais a melhora dos serviços públicos”, afirma o Comsefaz.
O que dizem os Estados
Para os governadores, a continuidade da lei como está, sem medidas compensatórias estruturais, poderá inviabilizar a administração de Estados e municípios, ameaçando a manutenção dos serviços públicos e a responsabilidade fiscal. O secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Leonardo Busatto, diz que só neste ano a perda de ICMS foi de R$ 2 bilhões. O resultado, acrescenta ele, obrigou a administração pública a rever novos serviços e investimentos.
Em 2023, o cenário é mais preocupante, pois a pressão será maior. “Se não houver mudança ou compensação, teremos uma situação deficitária. Para o Orçamento do próximo ano, o secretário afirma que a previsão é de um déficit de R$ 3,7 bilhões. Com isso, novos investimentos foram cortados e apenas aqueles que estão em andamento foram mantidos. “Também não incluímos nenhuma reposição dos salários dos servidores nem expansão de serviços públicos.”
O Estado do Rio diz que ainda analisa quais são os reflexos da perda de arrecadação de ICMS no Estado de agosto a outubro – nos cálculos da IFI, a perda para os cofres fluminenses foi de 13,2% no terceiro trimestre.
A Secretaria de Fazenda do Estado diz ter “recursos garantidos para manter suas atividades normalmente, viabilizando a prestação dos serviços públicos e os pagamentos em dia a servidores e fornecedores, em razão das medidas adotadas para o ingresso no Regime de Recuperação Fiscal.”
O secretário da Fazenda de Minas Gerais, Gustavo Barbosa, diz que a mudança no ICMS ocorreu num momento em que o Estado estava em franca recuperação. De janeiro a junho, as receitas haviam crescido 5,5% frente à Lei Orçamentária e 16,8% em relação a 2021. Mas, com as alterações, entre julho e outubro, houve redução de 5,4% e 4,2%, respectivamente.
“Depois de nove anos, em 2021 tivemos um equilíbrio nas contas. Em 2017, o déficit foi de R$ 13 bilhões e conseguimos equilibrar isso no ano passado. Neste ano, ainda vamos conseguir manter o resultado por causa dos números do primeiro semestre e pela compensação do não pagamento da dívida.”
Mas, como no caso do Rio Grande do Sul, a preocupação é com o próximo ano. Mantido o quadro atual, a expectativa é de um déficit de R$ 3,5 bilhões. O secretário já prevê dificuldade para manter, por exemplo, a malha rodoviária com as obras em dia. “Nossa alíquota de ICMS foi reduzida de 31% para 18%. É um peso grande nas nossas contas, já que o imposto sobre combustível corresponde a 21% da arrecadação do Estado”, afirma Barbosa.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.