Operadores atribuíram a falta de fôlego do real na primeira etapa de negócios a fatores técnicos no mercado futuro de dólar, com retomada de posições defensivas por players relevantes. Passado esse momento de rearranjo técnico, a moeda americana não encontrou forças para se manter em alta, dada a aceleração dos ganhos das divisas pares do real lá fora e a perspectiva de prolongamento das altas da taxa Selic, após discurso duro do diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra.
A esse pano de fundo favorável se somou um gatilho poderoso para apostas no real: a confirmação de que o apetite do investidor estrangeiro por ativos domésticos continua elevado. Dados de fluxo cambial, divulgados pelo Banco Central por volta de 14h30, mostraram que houve entrada líquida US$ 4,469 bilhões pelo canal financeiro na semana passada (de 31 de janeiro a 4 de fevereiro). No total, o fluxo cambial no período foi positivo em US$ 4,936 bilhões, já que houve também entrada de US$ 368 milhões via comércio exterior.
No acumulado do ano, até 4 de fevereiro, o fluxo cambial é positivo em US$ US$ 5,725 bilhões, graças à entrada líquida de US$ 9,465 bilhões pelo canal financeiro. Do lado do comércio exterior, o saldo neste ano é negativo em US$ 3,740 bilhões.
“O dólar vinha tentando perder os R$ 5,25 faz tempo sem sucesso. Quando chegava a esse patamar, entrava compra, porque havia dúvida se a tendência de queda iria continuar. O fluxo positivo em fevereiro mostrou que a entrada de capital estrangeiro continua muito forte e deu coragem para os vendidos (que ganham com a queda do dólar) aumentarem suas posições”, afirma o gerente da mesa de derivativos financeiros da Commcor DTVM, Cleber Alessie Machado.
Com variação de cerca de oito centavos entre a máxima (R$ 5,2902) e a mínima (R$ 5,2133), o dólar à vista fechou em queda de 0,64%, a R$ 5,2269 – menor valor desde 13 de setembro (R$ 5,2236). Com isso, a divisa já perde 1,79% na semana e acumula desvalorização de 6,26% em 2022. O dólar futuro para março caiu 0,45%, para R$ 5,26050, com giro de US$ 12,7 bilhões.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis moedas fortes – operou em queda durante todo o dia, ao redor dos 95,500 pontos. A moeda americana caiu em bloco em relação a divisas emergentes e de países exportadores de commodities, com perdas de mais de 1% ante o peso chileno e ao rand sul-africano, ambos vistos como pares do real.
“A redução do dólar no exterior e o superávit no fluxo cambial na semana passada, confirmado pelo Banco Central, beneficiam o movimento de revalorização do real para a faixa de R$ 5,20”, afirma, em nota, o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, ressaltando o clima de menor aversão ao risco lá fora, em razão de balanços trimestrais positivos nos Estados Unidos e do aumento da probabilidade de uma saída negociada da crise geopolítica provocada pela ameaça russa de invasão à Ucrânia. “Isso deixa o efeito do estrago fiscal potencial da PEC da zeragem dos combustíveis para os próximos dias”.
Pela manhã, as atenções estiveram voltadas ao IPCA de janeiro e à participação do diretor de política monetária do BC, Bruno Serra, em um evento virtual. O IPCA desacelerou de 0,73% em dezembro para 0,54% em janeiro, ligeiramente abaixo da mediana de Projeções Broadcast (0,55%). Foi, contudo, a maior alta mensal para os meses de janeiro desde 2016.
Em seu discurso, o diretor do BC reforçou o tom mais duro da ata do Copom, ao dizer que o BC tem mais “alguns ajustes pela frente a serem feitos” na taxa Selic. “A batalha está longe de estar ganha. Temos uma inflação de dois dígitos. Temos bastante trabalho pela frente, na minha opinião”, disse Serra, que vê a taxa de câmbio ainda bastante depreciada e acredita que o Brasil tem ainda muito espaço para surfar na rotação global de ativos.
“O discurso do Bruno Serra pode ajudar o dólar a cair mais. O carry trade (operações que busca ganhar com o diferencial de juros entre países) voltou para todos os emergentes. Mas o Brasil começou a subir antes os juros e já tem uma taxa bem mais alta”, diz Alessie Machado, da Commcor DTVM, ressaltando que é preciso estar atento aos impactos da divulgação amanhã do índice de preços ao consumidor (CPI) em janeiro nos Estados Unidos, que vai servir para investidores calibrarem as apostas em torno do ritmo e da magnitude da alta de juros pelo Federal Reserve neste ano. “Se o número vier forte, esse movimento de queda do dólar no mundo pode ser interrompido”, alerta.
O economista e estrategista da RB Investimentos, Gustavo Cruz, ressalta que, embora a perspectiva de uma taxa Selic ainda maior ajude o real, o grande propulsor da queda do dólar por aqui hoje foi o movimento global de fortalecimento de divisas emergentes. “Não vou estranhar se amanhã o dólar se valorizar em comparação a outras moedas. Vai sair a inflação nos EUA, que deve confirmar a necessidade do Banco Central americano subir juros de forma mais rápida”, afirma Cruz.