O ajuste do dia foi bem discreto para o Ibovespa se comparado a ontem (-2,52%), quando as preocupações em torno de eventual controle de preços da Petrobras pelo governo descolou as ações da estatal das cotações da commodity. Neste começo de março, os preços do insumo acumulam ganho superior a 30% no mês. Hoje, o petróleo se manteve em alta, com o Brent a US$ 133 por barril na máxima do dia, refletindo desde cedo a expectativa, afinal confirmada, de que os Estados Unidos deixarão de importar da Rússia, mas não a de que a Europa, principal mercado para o gás russo, poderia vir em algum momento a diminuir compras, em reação ao prosseguimento da guerra na Ucrânia – a Rússia, por sua vez, ameaçou cortar o fornecimento ao continente, em represália às sanções impostas ao país.
“Na superfície, até pareceu um dia de relativa tranquilidade. Mas quando se olha para a composição disso, teve enorme disparidade dentro do índice – mais ou menos o contrário do que se viu ontem, quando a parte doméstica sofreu muito, como Azul (-18% ontem), enquanto Vale subiu bem (+3% ontem). Hoje, o lado doméstico segurou um pouco melhor, talvez pelos exageros de ontem, e a parte de materiais sofreu”, diz Wagner Leon Varejão, sócio-especialista em investimentos na Valor Investimentos.
Na ponta do Ibovespa, Azul fechou hoje em alta de 7,09%, um pouco à frente de Gol (+7,08%, que havia sido a segunda maior perda de ontem) e de BRF (+7,03%). No lado oposto, CSN (ON -4,80%), Vale (ON -4,39%) e Locaweb (-3,98%), à frente de CSN Mineração (-3,69%) e de Bradespar (-2,86%) – esta havia sido o destaque de alta (+3,60%) no dia anterior.
Conforme esperado, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, confirmou hoje a proibição de importação, pelo país, de petróleo e gás da Rússia. Em pronunciamento na Casa Branca, ele disse que a decisão foi adotada “em contato próximo” com aliados, mas também afirmou saber que vários países da Europa não podem dar o mesmo passo, no contexto atual. Ele informou que há um trabalho “no longo prazo” para que o continente diminua dependência da Rússia no setor de energia.
“Há muitos ‘se’ no momento, um cenário de grande incerteza, com choque nos preços de commodities e de energia. Faz lembrar um pouco a crise de petróleo nos anos 70, mas desta vez não creio que haverá um choque de juros (como o iniciado no final daquela década). Mas é preciso ver qual será a resposta dos BCs, que precisarão de alguma forma se ajustar a essa nova realidade, de forte pressão sobre os preços, sobre a inflação”, diz Erminio Lucci, CEO da BGC Liquidez, destacando o peso da Rússia como produtora de commodities agrícolas (como trigo), metálicas (paládio, níquel) e de energia (petróleo, gás) – e da Ucrânia, como grande provedora de grãos (trigo, milho). “Com a explosão dos preços e expectativa de redução de oferta, já se fala na possibilidade de uma crise alimentar”, acrescenta.
Se, por um lado, os efeitos da guerra chegam ao Brasil principalmente por meio do petróleo, com reflexos para os juros – hoje, a curva voltou a inclinar um pouco mais -, por outro o peso das commodities na B3 a mantém entre os poucos mercados emergentes, como Índia, México e África do Sul, que seriam uma alternativa à Rússia neste momento de isolamento do país, diz Lucci. “Mas há questões aqui que preocupam também, como a possibilidade de controle de preços dos combustíveis, um ponto ainda em aberto e que contribui para o ruído, a volatilidade, pela dúvida sobre a forma como pode vir a ser feito.”
Em meio à incerteza sobre o horizonte e as consequências do conflito, diversas casas já preveem a possibilidade de barril de petróleo (WTI) a US$ 150 (Capital Economics) ou mesmo acima de US$ 200 (Barclays, para o Brent), caso a situação se agrave e o pior cenário se materialize. “Quanto mais a guerra durar, mais os efeitos se farão sentir”, aponta Lucci, da BGC.