Na semana, as perdas do índice chegam agora a 2,27% e, no mês, a 5,46%, limitando a alta do ano a 4,66%. Ainda reforçado neste dia seguinte ao vencimento de opções sobre o índice, e véspera de vencimento de opções sobre ações, o giro financeiro foi a R$ 47,6 bilhões na sessão, com um número razoável de papéis da carteira Ibovespa reagindo para chegar ao fim do dia no campo positivo – em certo momento, no meio da tarde, apenas as ações do Bradesco conseguiam se descolar da correção.
Considerando o fechamento da quarta-feira, 9, dia anterior à fala inicial do presidente eleito Lula (PT) contra a estabilidade fiscal, então aos 113.580,09 pontos, o Ibovespa acumula perda de quase 3,9 mil pontos – no pior momento da sessão de hoje, esse ajuste chegava a 6,3 mil pontos. Após o mergulho de 3,35% na quinta passada, sucedido por duas altas e duas baixas até aqui, está agora apenas 72 pontos abaixo do nível de ajuste inicial à fala de Lula – no pior momento da sessão de hoje, a diferença, para baixo, era de 2,5 mil pontos.
Este saldo negativo adicional, embora muito moderado ao longo da tarde após pressão que havia se imposto desde a manhã, é creditado ao desdobramento da noite de ontem, quando foi apresentada a PEC da Transição, trazendo rompimento do teto além do que vinha sendo precificado pelo mercado, o que se refletiu também no câmbio e na curva de juros nesta quinta-feira. Novas declarações de Lula, reiterando a dicotomia entre “responsabilidade fiscal” e “responsabilidade social”, contribuíram para manter o investidor na defensiva, após o benefício da dúvida que havia sido concedido logo após o resultado do segundo turno, em 30 de outubro.
No melhor momento deste período pós-eleitoral, o Ibovespa chegou aos 118.155,46 pontos, com máxima intradia naquela sessão a 120.039,37, no dia 4 de novembro. Considerando a máxima e a mínima intradia desse intervalo de pouco menos de duas semanas, a variação negativa chega a quase 12,8 mil pontos.
“O mercado ficou bastante estressado pela incerteza fiscal, após a apresentação da PEC da Transição. Ainda há falta de clareza em relação aos gastos públicos no ano que vem, o que é agravado pelas falas do presidente eleito Lula sobre responsabilidade fiscal e responsabilidade social, como se fossem incompatíveis” observa Gustavo Harada, chefe da mesa de renda variável da Blackbird Investimentos. Ele destaca também o contexto externo ainda desafiador, com novas declarações de autoridades do Federal Reserve indicando a continuidade do ciclo de aperto nos juros na maior economia do mundo, além da inflação ao consumidor na zona do euro em máximas históricas, conforme dados divulgados nesta quinta-feira.
O presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, afirmou à Bloomberg que as taxas de juros do Fed devem ser elevadas para a casa dos 5% a 5,25%, para conter a inflação mais alta em quase 40 anos, nos Estados Unidos. “Após os fortes números sobre o varejo americano, com demanda aquecida, as declarações do Bullard foram como um balde de água fria para o mercado, ao observar que os aumentos de juros, até agora, tiveram apenas efeitos limitados na inflação, e que o BC dos Estados Unidos precisa continuar aumentando os juros, em pelo menos mais um ponto porcentual”, diz Dennis Esteves, especialista em renda variável da Blue3.
Aqui, a expectativa dos investidores se volta agora para a atuação do Congresso, especialmente da Câmara, sobre a PEC, no sentido de que possa haver alguma desidratação, com redução do valor extrateto da casa de R$ 200 bilhões para R$ 160 bilhões, apontaram fontes ouvidas pelo Broadcast nesta quinta-feira. A torcida por desidratação da PEC ao longo da tramitação no Congresso contribuiu para que o Ibovespa moderasse perdas em direção ao fechamento da sessão, de baixa discreta também em Nova York nos três índices de referência. Relato de que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, em carta, renunciou a participar do grupo técnico de planejamento e orçamento, da equipe de transição, também contribuiu para reduzir a percepção de risco no fim da tarde – perto do fechamento, houve confirmação oficial.
Cotado para ser o relator da PEC, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) defende que o Bolsa Família fique fora do teto de gastos só em 2023, segundo apurou o Broadcast Político. Pela sugestão de texto da PEC apresentada ontem ao Congresso pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, o programa social seria retirado das regras fiscais por tempo indeterminado. O PT sabe, contudo, que vai ter de negociar um prazo de validade para a medida, e aposta em quatro anos.
O Banco Central terá que eventualmente rever a estratégia de manutenção da taxa de juros caso a expectativa de inflação mostre desancoragem à frente, avaliou hoje o sócio-fundador da Oriz, Carlos Kawall, durante participação em evento promovido pelo Estadão. No momento, porém, ainda há bastante indecisão sobre o cenário fiscal, com expectativa de que a PEC da Transição não seja aprovada nos termos atuais pelo Congresso, ponderou Kawall.
A minuta da PEC, detalhada ontem por Alckmin, mostra que o novo governo está “aumentando a aposta” e ignorando a preocupação do mercado com a sustentabilidade fiscal no médio prazo, avalia o Goldman Sachs. “Despesas de R$ 200 bilhões acima do teto de gastos (aproximadamente 2% do PIB estimado para 2023) formam um montante muito significativo, que provavelmente levaria a um déficit primário em 2023 próximo de 2% do PIB”, escrevem os analistas Alberto Ramos, Sergio Armella, Santiago Tellez e Renan Muta, em relatório. “Além disso, uma vez isento do teto, o programa poderia, e provavelmente vai, crescer mais nos próximos anos.”
“Há um estresse fiscal enorme com a PEC da Transição, que talvez nem seja de transição, mas sim permanente, com gasto bastante elevado acima do teto, em quase R$ 200 bilhões por ano, o que resultaria em aumento de dívida bastante forte”, observa Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master. “Ainda que não seja líquido e certo, na medida em que precisa ainda passar pelo Congresso, o número veio acima do esperado. O bode foi colocado na sala”, acrescenta o economista, chamando atenção em especial para o efeito sobre a curva de juros, com o mercado já embutindo alta na Selic para o ano que vem, quando antes se esperava corte para 2023.
Assim, na B3, como ontem, setores mais sensíveis a juros estiveram entre os mais penalizados nos piores momentos da sessão de hoje, como os de varejo e construção. Na ponta de perdas nesta quinta-feira, destaque para Qualicorp (-10,60%), Alpargatas (-6,55%), BRF (-6,53%) e 3R Petroleum (-6,19%), em sessão de forte queda para as cotações da commodity. Com o dia negativo tanto na frente doméstica como na externa, o índice de consumo fechou com perda de 1,36% (no meio da tarde, cedia 3,73%) e o de materiais básicos, em baixa de 0,97% (após ceder 2,20% no meio da tarde). Carros-chefes das commodities na B3, Petrobras ON e PN fecharam hoje, respectivamente, em baixa de 0,77% e leve alta de 0,04%, enquanto Vale ON subiu 0,80%.
Entre os grandes bancos, Bradesco ON e PN, ações que haviam sido muito penalizadas desde o balanço trimestral da instituição financeira, subiram hoje 1,46% e 2,17%, e Itaú PN, 0,61%, conseguindo se descolar das perdas do setor, que chegaram a 2,13% (BB ON) no fechamento. As duas ações do Bradesco, por sinal, estiveram entre as poucas do Ibovespa que, desde mais cedo, conseguiam se descolar da aversão a risco, com destaque também no encerramento para Weg (+2,17%), Ultrapar (+1,94%) e Magazine Luiza (+1,80%).
“Volatilidade no câmbio e na Bolsa, com muita coisa acontecendo no cenário doméstico e externo. A PEC da Transição ainda deixa a impressão de cheque em branco para o próximo governo, para cumprir as promessas de campanha sem a âncora fiscal. Gastos públicos que geram preocupação quanto à relação dívida/PIB, no curto como no longo prazo, o que se reflete no dólar e na curva de juros, chegando a 14,50% em alguns pontos, com o mercado já sinalizando cenário de alta (para a Selic)”, diz Helder Wakabayashi, analista da Toro Investimentos, destacando em particular, na B3, o efeito deletério para ações de empresas com maior necessidade de capital ou muito endividadas.