Casos semelhantes se espalham pelo País e encontram eco no Congresso, onde parlamentares aliados a Jair Bolsonaro tiraram projetos da cartola para pressionar as agências reguladoras e empresas por reajustes menores, como ocorreu com a tarifa de energia elétrica.
Nesse cenário, a crônica e já conhecida insegurança jurídica tem se agravado, prejudicando a imagem do País e afugentando potenciais investidores. Eles reclamam de insegurança jurídica por quebra de contratos devido a medidas eleitoreiras que impedem aumento de tarifas e revisão de contratos.
NO LIMBO
Nas Parcerias Público-Privadas (PPPs), o ritmo de projetos suspensos em 2022 é disparado o maior e já representa mais do que o dobro de 2018.
Em São Paulo, a decisão do governador afetou 18 concessionárias de rodovias. O reajuste seria de 10,72% a 11,73%, a depender do indexador do contrato (IGP-M ou IPCA) para repor perdas da inflação nos últimos 12 meses. Ele prometeu compensação financeira e, ao final, o custo vai parar na conta do próprio consumidor.
“Mesmo que haja compensação (pelo congelamento do reajuste), isso é muito ruim. Ameaça de rompimento de contrato ou não seguir a letra do contrato já é um adicional para o investidor de fora não vir e para quem já está aqui cobrar mais”, diz o economista Cláudio Frischtak, ex-Banco Mundial e fundador da consultoria Inter.B. Ele avalia que o risco eleitoral piorou diante do quadro atual de pressão inflacionária.
Segundo ele, nos últimos anos a insegurança jurídica na área de infraestrutura também vem crescendo devido a um ambiente de maior imprevisibilidade regulatória. “Existe hoje pressão muito grande sobre as agências para adiarem aumentos. Vimos um processo de politização nas indicações das agências, o que é culpa não só do Executivo, mas do Congresso.”
Sócio da consultoria Radar PPP, Guilherme Naves alerta para a gravidade do problema. “Um país que já definiu que o desenvolvimento da infraestrutura depende da iniciativa privada não pode ficar convivendo com instabilidades na regulação dos contratos em ano eleitoral”, diz.
O aumento da percepção de risco de insegurança jurídica acaba entrando na conta do custo Brasil. “Os investidores precificam quando participam de uma licitação. Se tivéssemos um ambiente com maior segurança jurídica, provavelmente as tarifas seriam mais baixas e as concessionárias não teriam de fazer uma espécie de seguro informal”, diz Rafael Wallbach Schwind, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados.
Especializado em contratos de concessões, PPPs e privatizações, Schwind chama de “demagogia regulatória” o que se observa no Brasil nesse momento.
A consequência do processo de deterioração do quadro regulatório na maioria das vezes vai parar numa disputa judicial, que pode levar anos e, ao final, resultar num precatório (sentença judicial) que costuma demorar para ser pago.
“A população inteira paga por isso”, acrescenta o especialista do escritório de advocacia, que lista dois caminhos que podem ajudar a mudar esse quadro: um posicionamento firme do Judiciário e dos órgãos de controle para garantir respostas rápidas e a criação de mecanismos contratuais, como o acionamento de uma garantia efetiva quando o Estado afeta indevidamente o contrato.
DISPUTAS
Além de pressões políticas, especialistas apontam como desafios para o setor de infraestrutura a falta de planejamento e gestão dos governos e demora de revisões contratuais. É o caso da Via Bahia, concessionária que administra as BRs 116 e 324 que ligam 27 cidades da Bahia.
A empresa tem como controladora financeira a Roadis, braço de infraestrutura do PSP Investments, fundo de pensão das forças de segurança do Canadá que alega que o contrato assinado pela empresa, em 2009, não está sendo cumprido pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e pelo Ministério da Infraestrutura. A realização da revisão a cada cinco anos está prevista no contrato.
As revisões deveriam ter ocorrido em 2014 e 2019, mas a ANTT nada fez. O imbróglio entre Via Bahia e governo federal está sendo tratado na Câmara de Arbitragem Brasil-Canadá. Os investidores com recursos bilionários para investir no mundo colocam o pé no freio.
‘PORTO SEGURO’
Na contramão das preocupações com o aumento da insegurança jurídica, no governo federal a avaliação é de que o País é um “porto seguro”, termo usado com frequência pelo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida. Ele reforça que o governo aprovou novos marcos regulatórios e 14 instrumentos financeiros para dar segurança jurídica e aumentar investimentos.
Ele defendeu a prorrogação do prazo de comprovação da meta ambiental para as distribuidoras de combustíveis fósseis comprarem os CBios, créditos descarbonizados, emitidos pelos produtores de biocombustíveis. A medida é polêmica e recebeu críticas pela quebra das regras da política, que afeta os investidores. O governo, no entanto, adotou a medida de olho na queda do preço do diesel.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.