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Inflação pós-pandemia é fenômeno global, mas atinge Brasil com mais força

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Estadão Conteúdos

Dados da inflação de outubro em vários países deixam claro que o problema é global. Efeitos colaterais da covid-19 sobre a economia, combinados com choques climáticos e tecnológicos explicam o quadro, segundo economistas ouvidos pelo Estadão. No Brasil, porém, as remarcações de preços são mais frenéticas – é um problema histórico da economia nacional, agravado agora pela taxa de câmbio e pela crise hídrica. Só que, desta vez, até americanos e europeus, acostumados com uma inflação baixíssima há décadas, têm motivos para preocupação. A inflação em 12 meses nos Estados Unidos é a maior desde 1990. No Reino Unido, a maior desde novembro de 2011. Na zona do euro, a maior em 13 anos.

Ainda assim, o Brasil se destaca e integra o pequeno grupo das nações com inflação acumulada em 12 meses acima de dois dígitos, como mostra uma compilação do Banco de Compensações Internacionais (BIS, que é uma espécie de “banco central dos bancos centrais”). Com taxa de 10,7%, o País está no time da Argentina, com 51,7% em um ano até setembro, e da Turquia, com 19,6%, no mesmo período.

Em quase todos os países, a inflação acelerada se deve a uma combinação “atípica”, “inédita” e “exótica”, dizem economistas. Muitos desses choques estão relacionados à covid-19, outros já vinham de antes, e podem ter sido acelerados ou potencializados pela pandemia. O que chama a atenção é o fato de todos ocorrerem ao mesmo tempo.

Choques são vilões contumazes da inflação. Em condições normais, a dinâmica de preços é marcada pela relação entre oferta e demanda. Quando a segunda varia em ritmo mais rápido do que a primeira, os preços sobem, e vice-versa – justamente por isso, a política monetária de vários países atua para aquecer ou esfriar a demanda, de olho no controle da inflação. Nas crises, esse equilíbrio pode ser desbalanceado repentinamente se uma seca ou uma praga derrubar a oferta de determinado produto agrícola. Ou se demissões em massa afundarem a capacidade de consumo das famílias, no lado da demanda.

CHOQUES SIMULTÂNEOS

Ao se espalhar rapidamente pelo mundo, a covid-19 provocou, ao mesmo tempo, choques de demanda – famílias em casa, com a renda comprometida, consumiram menos – e de oferta, com fábricas que pararam e negócios como bares, restaurantes e salões de beleza fechados. Nos primeiros meses da pandemia, a recessão segurou a inflação. A partir de meados do ano passado, a recuperação começou. Os choques seguiram atuando e se tornaram inflacionários.

Do lado da oferta, a indústria enfrenta gargalos em suas cadeias, com problemas no transporte marítimo e escassez de insumos. Do lado da demanda, medidas de transferência de renda, com recursos públicos, adotadas por diversos países para mitigar a crise, impulsionaram o consumo, especialmente de bens e de comida, pois as famílias vinham restringindo gastos com serviços por causa da covid-19.

“Países mais ricos, com grana no cofre, socorreram a economia com dinheiro. Essa ajuda aqueceu a economia”, diz André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

O economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, destaca que os choques de oferta e demanda foram simultâneos em praticamente todos os países, tanto na recessão quanto na retomada. “Nunca teve essa recuperação concentrada ao mesmo tempo”, afirma Cunha.

Esse desequilíbrio entre oferta e demanda espalhou a inflação, mas, para Carlos Thadeu de Freitas Filho, economista sênior da gestora de recursos Asset 1, a culpa não é só da pandemia. Os choques da covid-19 se juntaram a outros, que já vinham de antes.

É o caso da demanda por microchips – com o avanço tecnológico, todos os produtos, de carros a geladeiras, já vinham usando cada vez mais essas peças. Outra questão é a demanda da China por carnes e outros alimentos – cujo avanço passa pela transição no modelo econômico chinês, que pretende trocar de motor, de investimentos em infraestrutura para o consumo.

Freitas Filho cita também a transição global para uma economia de baixo carbono. A necessidade de abandonar fontes de combustível fóssil restringe investimentos na produção de petróleo, gás e carvão, diminuindo a perspectiva de oferta de curto prazo dessas matérias-primas, o que pressiona preços para cima. Nos Estados Unidos, os preços da energia ao consumidor sobem 30% em 12 meses. Combustíveis, eletricidade e calefação são vilões da inflação.

CRISE HÍDRICA

Combustíveis, gás de cozinha e conta de luz também são vilões por aqui, mas, no caso da eletricidade, há uma especificidade. A maior estiagem em décadas levou os reservatórios das usinas hidrelétricas – principal fonte de energia elétrica do País – aos níveis mínimos da história, exigindo o acionamento de usinas térmicas. Movidas a gás natural, óleo combustível ou carvão, elas têm custo maior. As regras do setor elétrico repassam esse custo a mais para a conta de luz.

Para Freitas Filho, a seca é mais um choque coincidente, que vinha de antes da pandemia. Desde 2019, o clima está mais seco no Brasil por causa da Oscilação Decenal do Pacífico (PDO, na sigla em inglês, definido como um ciclo prolongado de El-Niño). Segundo o economista, já havia alertas de menos chuvas para abastecer as hidrelétricas e, por isso, houve “má gestão” das autoridades do setor ao encarar o problema. A situação pode se arrastar por anos – por isso, é cedo para comemorar o bom volume de chuvas desde outubro.

DÓLAR

A taxa de câmbio – outra particularidade que agrava a inflação no Brasil, ao encarecer importados em geral e matérias-primas exportadas – também está com comportamento atípico, dizem economistas. Tradicionalmente, nos países exportadores de matérias-primas, as cotações do dólar andam de forma inversamente proporcional aos preços das commodities. Nos mercados globais, quando sobem os preços das matérias-primas, o dólar cai perante as moedas dos exportadores.

Na crise da pandemia, as cotações das commodities vêm em forte alta desde meados do ano passado, mas o dólar não para de subir ante o real. Alguns economistas já ressaltaram que isso tem ocorrido em outros países, mas muitos apontam para um descolamento maior no caso do Brasil. A alta simultânea de dólar e preço de commodities faz explodir os preços da gasolina e de alguns alimentos.

Com o impulso dado às exportações brasileiras pelas cotações em alta, a taxa de câmbio deveria estar abaixo da atual. Para explicar o dólar alto, economistas citam as perspectivas de aumento no desequilíbrio das contas do governo, as incertezas políticas e o descontrole no enfrentamento da pandemia.

Diante do ineditismo da combinação de choques que causam inflação no mundo todo, as dúvidas recaem sobre a duração do fenômeno. Autoridades dos bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa têm repetido que a carestia tem data para acabar, quando os gargalos associados à covid-19 se dissiparem, mas economistas do setor privado e da academia lançam dúvidas sobre isso. Uma das incógnitas são os efeitos no mercado de trabalho. Uma elevação permanente de salários poderá realimentar a inflação.

No Brasil, o mercado de trabalho segue com indicadores ruins, mas os problemas não parecem de rápida solução, com a estiagem e o câmbio no radar. “Vamos entrar em campanha eleitoral”, lembra Braz, do Ibre/FGV.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.