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‘O Bolsonaro se acha dono da Petrobras’

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Estadão Conteúdos

O economista Roberto Castello Branco, ex-presidente da Petrobras, decidiu, enfim, romper o silêncio sobre o período que passou no comando da empresa, entre janeiro de 2019 e abril de 2021, quando foi demitido por determinação do presidente Jair Bolsonaro. Passada a “quarentena” de seis meses imposta a executivos de estatais e a ocupantes do alto escalão do governo que deixam os cargos, durante a qual preferiu não se manifestar, Castello Branco, de 77 anos, falou ao Estadão sobre as críticas feitas por Bolsonaro à sua atuação na Petrobras e as pressões que sofria para conter os preços dos combustíveis. Nesta entrevista, ele também analisa a gestão da economia, a “militarização” da Petrobras, a privatização da empresa e a concessão de subsídios aos consumidores.

Olhando retrospectivamente, como o sr. avalia os acontecimentos que levaram à sua saída da Petrobras, as críticas que sofreu do presidente, relacionadas à alta dos preços dos combustíveis, às demandas dos caminhoneiros e até ao seu trabalho em home office?

Percebo que estava mesmo na hora de sair, porque, com o Brasil com tanta incerteza política, com tanta instabilidade, a presidência da Petrobras seria um lugar em que não me sentiria mais à vontade. Teria perdido o prazer de dirigir a companhia, coisa que tive durante o tempo em que fiquei lá. Também comecei a ser alvo de mentiras absurdas. As milícias digitais (bolsonaristas) passaram a me atacar, a inventar mentiras a meu respeito, os sindicatos, também.

A que mentiras o sr. se refere?

Diziam que eu estava vendendo diesel para o Paraguai pela metade do preço. A Petrobras não vende diesel para o Paraguai desde 2017. Eu nem estava na companhia. E por que eu venderia diesel pela metade do preço? Qual seria o meu interesse nisso? Falavam também que eu teria nomeado como gerente executivo da Petrobras uma nora minha. Não tenho noras. Só tenho genros. Tenho duas filhas e duas enteadas. Depois, veio essa história de dizer que eu não trabalhava há 11 meses porque estava em casa. Devo ser um mágico, então, porque a companhia na qual diziam que eu não trabalhava estava batendo recorde de produção, recorde de exportação, tendo uma performance excelente e conseguindo reduzir o endividamento na crise. O lucro no último trimestre de 2020 foi o maior de uma empresa brasileira na B3 em todos os tempos.

Na sua gestão, houve muitas tentativas de interferência política na Petrobrás?

Houve alguns pedidos relacionados a gastos com publicidade e à nomeação de pessoas, que eu rejeitei. Comuniquei não só aos meus diretores, mas ao conselho de administração. No fundo, tudo isso contribuiu para me desgastar junto ao governo, mas não me arrependo um milímetro do que fiz. Acredito que fiz a coisa certa, para proteger a integridade da companhia.

Na questão de preços em particular, havia muita pressão de Brasília?

As pressões se acumularam no primeiro trimestre de 2021. Mas também não foram atendidas. Em relação aos políticos, tive a oportunidade de ir três vezes ao Congresso, duas à Comissão de Minas e Energia da Câmara e uma vez à Comissão de Infraestrutura do Senado, e expliquei em detalhes as políticas da Petrobras. Agora, o presidente tem os caminhoneiros autônomos como apoiadores. Então, ele defendia os interesses desse grupo.

Chegavam recados para o sr. dos ministérios da Economia e das Minas e Energia relacionados à questão de preços dos combustíveis?

Às vezes havia sinais de descontentamento, mas o que eu podia fazer? Sempre fiz questão de cumprir com a minha responsabilidade como administrador. Não podia abrir mão dos meus princípios, fosse quem fosse o autor do pedido. Tenho respeito pela minha biografia. O maior ativo que tenho é minha credibilidade como pessoa, como profissional. Se perder isso, quem vai me recompensar? Não existe recompensa suficiente para isso.

O sr. é um representante dos chamados “Chicago oldies”, grupo que reúne os primeiros brasileiros graduados pela Universidade de Chicago, referência global do liberalismo, na qual o ministro Paulo Guedes também estudou. Como o sr. vê a gestão da economia no governo Bolsonaro?

Acredito que faltaram duas coisas muito importantes para o sucesso. Primeiro, a convicção do presidente da República acerca do que deveria ser feito. Isso nunca houve. Ao contrário. Em alguns episódios, acho até que ele trabalhou contra as reformas. Em segundo lugar, creio que o Ministério da Economia deveria ter se preparado para lançar um ataque em massa nos primeiros dias do governo. Para um programa de reestruturação ser bem-sucedido, a terapia de choque é a mais indicada. Ao longo da história, temos várias evidências de fracassos quando se escolhe um tratamento gradualista, porque quem se beneficia do status quo vai se organizando contra as mudanças. Agora, alguma coisa foi feita, como a reforma da Previdência, a autonomia do Banco Central, o marco regulatório do saneamento e a abertura para maior competição no mercado financeiro. Mas ficou muito por fazer e estamos diante de um ambiente de inflação alta, que o Banco Central acertadamente vem combatendo, e de desaceleração de crescimento. O Brasil deve crescer menos em 2022 do que as economias emergentes e a América Latina como um todo, o que é sem dúvida um resultado muito pobre.

O sr. se declarou várias vezes em favor da privatização da Petrobras. Continua com a mesma posição?

Sem dúvida. Uma sociedade de economia mista é um modelo híbrido inviável. No caso da Petrobras, o Estado brasileiro detém cerca de 37% do capital. A iniciativa privada, milhares e milhares de investidores privados, detém 63%. Mas o governo se acha o dono da Petrobras, o presidente da República diz que ele é o dono da empresa e quer proceder como tal, desobedecendo regras e regulações. Esta é uma confusão que políticos fazem, que o dono da Petrobras é o governo. Não é o governo. É o Estado brasileiro, a sociedade. Somos todos nós. Por isso, não faz sentido tirar dinheiro da Petrobras para subsidiar o consumo de combustíveis por determinados grupos. Aliás, isso é até antidemocrático, porque é uma política pública praticada sem aprovação do Congresso. Além de equivocada do ponto de vista econômico, fere a democracia.

Muitos políticos e até alguns economistas dizem que a Petrobras deveria aliviar o impacto das variações dos preços internacionais. Como o sr. analisa esta questão?

Na minha opinião, isso é algo completamente equivocado. Me surpreende que economistas tenham essa visão, porque no jardim de infância da economia, como se diz de brincadeira, eles aprendem um conceito que é muito importante, que é o custo de oportunidade. Quando a Petrobras vende o combustível, ela tem de olhar para o custo de oportunidade, que é dado pelo preço no mercado internacional. Este é o conceito correto usado universalmente. No Brasil, essas pessoas acham que abaixo da linha do Equador é diferente. Infelizmente, não é. Entre 2011 e 2014, usaram expedientes do gênero para segurar os preços dos combustíveis no País e o resultado foi que a Petrobras perdeu US$ 40 bilhões.

Após a sua saída, houve uma “militarização” da cúpula da Petrobras. Além do almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, presidente do conselho, o general Joaquim Silva e Luna se tornou presidente da empresa e trouxe vários militares com ele. Qual a sua visão sobre a “militarização” da Petrobrás?

Minha convivência com o almirante Leal Ferreira, que foi comandante da Marinha e é o presidente do conselho de administração, foi muito boa. É um homem ponderado, que tem experiência em comando, sempre procurou aprender, me apoiou muito. A Petrobras é uma empresa marítima, tem muitos trabalhos em cooperação com a Marinha, inclusive na área de pesquisa. Então, para um almirante, não é algo tão desconhecido. A mesma coisa não posso dizer em relação a um general do Exército. O Brasil tem executivos muito bons que poderiam ter me substituído. É difícil você colocar na direção de uma companhia como a Petrobras uma pessoa que não tem vivência na gestão de negócios e não conhece nada a respeito de petróleo, gás ou combustíveis. Mas até reconheço mérito no general Silva e Luna, porque ele procurou não mudar nada. Levou a sério aquele ditado popular de que “em time que está ganhando não se mexe”, até porque seria arriscado da parte dele. Preferiu não correr riscos para não ser responsável por nenhum desastre.

Em relação à política de preços dos combustíveis e do gás praticada pela nova gestão, qual a sua posição? Apesar da escalada dos preços, a percepção dos analistas é de que a Petrobras está segurando um pouco os aumentos.

Tem pessoas do mercado que me falam isso. A associação de importadores de combustíveis também reclama bastante. Além disso, especialistas no assunto apresentaram dados que evidenciam que a Petrobras precisa dar reajustes maiores. O fato é que a participação da Petrobras no mercado tem aumentado, às custas de importações. Os importadores têm recuado e concedido mais espaço para a Petrobras. Quando isso acontece, é um indicador de que os preços dos combustíveis estão abaixo do nível internacional, porque os importadores não querem correr o risco de ter prejuízo. Então, a situação é a seguinte: a Petrobras está represando preços para evitar repercussões políticas, cedendo a pressões do presidente da República. Mas eu não tenho dados, não fiz nenhuma conta e não farei, para checar isso. Estou transmitindo opiniões de analistas e de especialistas no mercado de petróleo e a evidência trazida pelo comportamento das importações.

Como o sr. avalia a decisão da Petrobras de destinar R$ 300 milhões para lastrear um programa de venda de gás a preços menores para os mais pobres?

O pano de fundo de tudo isso é a pobreza. Muitas famílias estão com dificuldades para adquirir o botijão de gás ao preço atual e estão migrando para a lenha e outros combustíveis, que são danosos à saúde, porque são pobres. Como eu falei, a solução para isso não é o subsídio de preços pela Petrobras. Este é um papel do governo. Ele é que tem de estruturar um programa, que deve ser aprovado pelo Congresso, para colocar uma dotação no orçamento para subsidiar o gás, em vez de pressionar a Petrobras, que é uma empresa em que os acionistas privados controlam a maior parte do capital, para fazer algum tipo de política social.

Pouco antes de sua saída, houve uma denúncia de que o sr. teria feito uma operação de venda de opções da Petrobras na Bolsa por meio de sua secretária, após saber que deixaria a empresa, com a qual teria obtido um lucro de R$ 11 milhões. O que pode dizer sobre isso?

Foi aberta uma investigação interna na Petrobras, a partir de uma denúncia feita no conselho de administração, e ficou claro que não fiz nada disso. No dia em que o conselho se reuniu para decidir sobre a venda da refinaria Landulfo Alves na Bahia, em março de 2021, chegou uma carta anônima fazendo uma denúncia totalmente vazia. Se quisesse me beneficiar às custas da minha própria demissão, teria condições de fazer isso de outra forma. Conheço dezenas de grandes operadores, não só em bancos brasileiros como estrangeiros. Teria ganho milhões de dólares e não R$ 11 milhões. Mas essa acusação não foi para a frente. Podem investigar à vontade. Isso faz parte daquela guerra de mentiras que mencionei. É a arma dos radicais, neste caso de radicais de extrema esquerda, que queriam bloquear a venda da refinaria Landulfo Alves. A prática do denuncismo, lamentavelmente, faz parte da Petrobras.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.