As contas de Bacha, Tombolo e Versiani – os primeiros resultados foram publicados no fim de agosto em um Texto para Discussão, no site do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças – indicam um crescimento anual médio de 4,9% entre 1900 e 1980, abaixo dos 5,7% da série estatística atualmente aceita.
A principal explicação para a diferença é que a metodologia de cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), em boa parte do século passado, não considerou atividades relacionadas ao governo, à intermediação financeira e aos aluguéis. A reestimativa procura incorporar essas atividades – o que explica a revisão do desempenho.
É consenso que a economia brasileira ficou praticamente estagnada no século 19. No século 20, se destacou com um dos ritmos de crescimento mais acelerados do mundo, mas voltou à estagnação de 1980 até hoje. No início deste ano, os professores Marcelo de Paiva Abreu e Luiz Aranha Corrêa do Lago, da PUC-Rio, e André Arruda Villela, da Fundação Getulio Vargas (FGV), publicaram o livro A Passos Lentos, sobre a economia do Brasil durante o Império.
Em agosto, Bacha, Tombolo e Versiani sugeriram que essa dinâmica, marcada por “quebras estruturais extraordinárias” no ritmo de crescimento, passando da estagnação ou lentidão ao avanço acelerado, não passa de “ilusão estatística”.
Uma expansão menos acelerada de 1900 a 1980 implica um ritmo melhor no século 19 – a pesquisa inclui a reestimativa para o século retrasado e será apresentada num artigo científico que deverá ser publicado ainda este ano.
VÁCUO
A reestimativa para tempos mais remotos é mais difícil porque faltam dados. “Para o século 19, não temos quantidades, estatísticas de produção. Só de exportação e importação. Produção interna, não temos”, diz Bacha, que é membro Academia Brasileira de Letras (ABL).
Justamente porque há menos informação sobre o século 19, “um dos argumentos para justificar a estagnação” da economia do Império era “aceitar” o acelerado crescimento do século 20, diz Bacha. Afinal, para crescer tanto, o PIB de 1900 tinha de ser “muito baixinho” – o que dá força à noção de que a economia havia crescido mais no século anterior.
Professor de história econômica na FGV, Thales Zamberlan Pereira acha improvável que reestimativas sobre o século 19 apontem crescimento muito mais acelerado. Esse cenário é condizente com a estabilidade econômica que se seguiu à abdicação de d. Pedro I, em 1831, após um período de crise, com inflação alta e atrasos de salários terem ajudado a impulsionar o movimento de Independência em 1822. Pereira e o jornalista Rafael Cariello descrevem esse quadro de 200 anos atrás no livro Adeus, senhor Portugal, lançado por conta do bicentenário da Independência.
Para o professor da FGV, apurar os cálculos sobre o crescimento econômico no século 19 é um importante trabalho de pesquisa para a história econômica. Mesmo assim, para Pereira, as reestimativas dificilmente farão diferença no entendimento sobre a economia daquela época.
Economista vê ‘ilusão estatística’ em dados
A “ilusão estatística” sobre a economia do século 20 sugerida pelos economistas foi alimentada por uma mudança metodológica feita, em 1969, pela Fundação Getulio Vargas (FGV), responsável pelo cálculo do PIB entre 1947 e 1980.
A mudança ajudou a elevar o crescimento durante a fase mais brutal da ditadura militar. Pelas estatísticas atuais, a economia avançou, entre 1968 e 1973, ao ritmo de 11,5% ao ano, de fazer inveja ao desempenho recente da China. Na reestimativa proposta por Bacha, Tombolo e Versiani, o crescimento médio anual no período foi de 9,3%.
“Mudaram as contas justamente em 1969. Não vou muito além, mas é muito curioso”, afirma Bacha, ao ser questionado se o “viés” estatístico pode ter sido usado para beneficiar politicamente a ditadura militar. “Ter mudado a metodologia facilitou a ideia do milagre”, completa.
Apesar das revisões, Bacha destaca que o crescimento econômico do Brasil no século 20 segue “muito bom”. Segundo o banco de dados do Projeto Maddison – pesquisa da Universidade de Groningen, na Holanda, dedicada à compilação de dados históricos sobre a atividade econômica de diversos países -, o crescimento global foi de 3,2% ao ano, na média de 1900 a 1980.
“Cresceu bem mais do que o mundo. É respeitável. Pode não ser o maior crescimento do mundo, como o (Cláudio) Haddad (economista e autor da pesquisa que calcula a série estatística de 1900 a 1947) diz no livro, mas é um crescimento respeitável”, diz Bacha.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.