O tema chegou a ser mencionado na terça-feira pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, durante sua participação em um evento realizado pelo banco BTG Pactual. Para autorizar o saque extraordinário das contas de FGTS, deve ser publicada uma medida provisória. “São pessoas que têm recursos lá, e que estão passando por dificuldades. Às vezes, o cara está devendo dinheiro no banco e está credor no FGTS. Por que não pode sacar essa conta e liquidar a dívida dele do outro lado?”, questionou Guedes, em fala durante o evento.
Com a aproximação das eleições, a ala política do governo tem pressionado a equipe econômica a anunciar medidas que possam aumentar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Na pasta econômica, o tema é tratado no âmbito da Secretaria de Política Econômica (SPE) e, segundo fontes do ministério, ainda está em “maturação”. Um dos idealizadores é o atual assessor especial de Assuntos Estratégicos do ministério, Adolfo Sachsida, ex-chefe da SPE, que elaborou no atual governo as medidas de saques do FGTS para estimular a economia.
REAÇÃO
Mesmo antes de sair do papel, a medida já acendeu o alerta no setor da construção civil, que tem nos saldos do FGTS uma das principais fontes de financiamento à construção e aquisição de imóveis. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, alertou para a necessidade de preservar a sustentabilidade do fundo. “Achamos que essa medida vai no sentido contrário ao que interessa ao País. O FGTS não é complemento de renda, mas sim funding para investimento e geração de bem-estar, emprego e renda.”
Também há a avaliação no mercado de que a injeção extra de recursos não deve alterar a trajetória de estagnação do PIB no ano. Os fatores que jogam contra essa alavanca na atividade são a inflação em 12 meses na casa de 10% e o endividamento recorde das famílias.
“Essa medida atenua o desaquecimento da atividade, mas não muda o jogo”, afirma o economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi. Ele continua projetando avanço do PIB de 0,7% no ano, pouco acima da média do mercado – de 0,3%.
Dos R$ 30 bilhões que podem ser liberados pela medida, R$ 20,9 bilhões devem ser direcionados para consumo e o restante, para pagamento de dívidas, apontam cálculos do economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes. Ele chegou a essas cifras levando em conta dados históricos de como as famílias reagiram à liberação de recursos extras no passado. Também considerou o nível de endividamento atual, da ordem de 33% da renda familiar.
“Se a liberação desses recursos for vinculada ao pagamento de dívidas, a medida pode beneficiar o consumo no longo prazo de forma sustentável”, afirma o economista. Mas, se não houver um direcionamento, a sua avaliação é de que essa cifra não fará o comércio bombar, porque a inflação em níveis elevados vai corroer boa parte dos recursos.
O chefe de pesquisa para América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda, vê também riscos para a administração da política monetária. “A literatura sugere que a dinâmica de mais renda em um ambiente de inflação pressionada leva a mais problemas para a política monetária. Se tiver mais política fiscal, a convergência para a meta (de inflação) pode demorar mais.”
SALDO MÉDIO
Hoje, 80% das contas do fundo têm saldo médio de R$ 1 mil, segundo informação do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, organização sem assento no FGTS que defende interesses de trabalhadores quando o assunto é o fundo.
O presidente da entidade, Mario Avelino, vê interesse eleitoreiro na iniciativa. “É preciso cuidado, porque tirar a sustentabilidade de curto prazo do fundo pode fazer com que amanhã faltem recursos para investimentos que beneficiam principalmente as pessoas de baixa renda. O governo acha que é dono do FGTS, mas essa é uma poupança compulsória do trabalhador para ser acessada apenas em momentos de verdadeira necessidade, em caso de demissão sem justa causa, doenças graves ou mesmo em catástrofes”, disse ele. (Colaboraram Eduardo Rodrigues e Maria Regina Silva)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.