Nos últimos tempos, muitos analistas têm feito previsões catastróficas sobre a situação fiscal do País. A situação está tão ruim quanto dizem por aí?
Olhando a situação fiscal hoje, a gente terminou 2021 com números muito melhores do que os esperados por qualquer economista, inclusive os mais otimistas, não um ano atrás, mas seis meses atrás. A expectativa no início do ano era de um déficit primário do setor público (receitas menos despesas, sem os juros da dívida), incluindo Estados, municípios, estatais e governo federal, de R$ 250 bilhões. Mas a gente fechou o ano com um superávit primário entre R$ 20 bilhões e R$ 40 bilhões – o primeiro desde 2013 -, equivalente a algo entre 0,2% e 0,3% do PIB (Produto Interno Bruto). Neste ano, isso não deve se repetir. A estimativa é de um déficit primário R$ 76,8 bilhões. Ainda assim, se somarmos o resultado de 2021 com o esperado para 2022, vai dar um déficit muito baixo, de R$ 30/35 bilhões ou 0,8% do PIB. Não é nada. Na crise de 2015/2016, o situação era bem pior. Em 2015, o déficit primário do setor público foi de 1,9% do PIB e em 2016, de 2,5% do PIB.
Se a gente isolar os resultados do governo federal e dos Estados e municípios, como ficam os números?
Os Estados e municípios devem ter terminado 2021 com um superávit na casa dos R$ 100 bilhões, o melhor resultado fiscal desde 1991. As estatais, com superávit de R$ 4 bilhões. O governo federal ainda deve ter fechado o ano com déficit primário de R$ 66 bilhões, mas bem inferior às previsões.
Agora, com a alta da Selic (taxa básica) em 2021, como ficou o déficit total, incluindo os juros da dívida pública?
A Selic terminou 2021 em 9,25% ao ano, mas a taxa média ficou bem abaixo disso. Pelos meus cálculos, o déficit nominal, que é o déficit primário mais a conta de juros, ficou em torno de 5% ou menos do PIB, o equivalente a R$ 410 bilhões, que é um dado bom, também o melhor desde 2013. Então, a gente fechou 2021 melhor do que antes da pandemia, tanto em termos de resultado primário como de resultado nominal. Em 2015, o déficit nominal chegou a 10,2% do PIB e em 2016, a 8,98%.
Só para fechar o capítulo dos dados fiscais, como ficou a dívida pública em 2021? Tinha gente graúda fazendo projeções sinistras, dizendo que iria passar de 100% do PIB.
Nas minhas contas, o Brasil fechou 2021 com uma dívida bruta inferior a 81% do PIB, também muito mais baixa do que se projetava. No caso da dívida líquida, que não inclui empréstimos para bancos públicos e reservas internacionais, o resultado ficou em 56,6% do PIB, só dois pontos acima do de 2019. Neste ano, como os juros subiram muito, ela vai ter um crescimento grande, para 62% do PIB. Vai ser mais ou menos igual à de 2020. Agora, em 2013, quando a gente começou a ter uma piora fiscal grande, a dívida líquida era de 30% do PIB. Então, de 2013 a 2022, um período de nove anos, a dívida líquida duplicou.
Isso acende uma luz amarela para o País?
Não é o fim do mundo. O desafio agora é fazer essa dívida declinar, para numa próxima crise o setor público ter espaço para gastar mais, como todo país do mundo faz. Não vamos nos enganar. Uma dívida bruta de 81% do PIB é muito menor do que a gente esperava, mas para um país emergente como o Brasil é alta. O endividamento médio dos emergentes é de 60% do PIB.
O que explica esse resultado positivo em 2021, que derrubou as previsões dos economistas?
Uma das grandes surpresas foi a velocidade de recuperação da arrecadação. Em 2021, se pensava que seria muito difícil o governo recuperar a arrecadação perdida em 2020. Mas, no fim, a arrecadação do governo central deve ter ficado maior até do que no período pré-pandemia, chegando perto de 18% do PIB. No caso dos Estados, além do ganho com a recuperação da economia, eles foram beneficiados com um ganho de arrecadação forte, em decorrência do aumento de preços de alguns produtos, como energia e combustível.
E do lado da despesa, o que aconteceu?
Com todo o estímulo dado em 2020, a despesa voltou a ser o que era em 2019, antes da covid, para 19,5% do PIB. Nenhum país do mundo conseguiu isso. É mérito do teto, porque todo o ganho de arrecadação do governo, a receita líquida, não virou gasto. Já os Estados foram beneficiados pela contenção de despesas com pessoal, que chegam a 60 ou 70% do total, com o congelamento dos salários dos servidores em 2020 e 2021. Isso representou uma economia brutal.
Por que as previsões deram tão errado? Eles não olham os números?
Olham, sim, mas o pessoal estava com medo de que a situação se deteriorasse. O mercado está nervoso. A mudança do teto de gastos para viabilizar o Auxílio Brasil impactou muito o mercado. Havia uma expectativa de que o governo tivesse um gasto adicional, extrateto, e que ele tentaria justificar isso como uma necessidade da pandemia. A expectativa era de que a coisa seria temporária e não viraria um gasto permanente. O mercado também não esperava que o indexador do teto, que era apurado de julho a junho e agora passou a ser calculado pelo ano “cheio”, fosse mudar. Só que não foi o que aconteceu. Houve ainda a saída dos dois secretários da Fazenda (Bruno Funchal, ex-secretário Especial do Tesouro e Orçamento, e Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro). Quando isso aconteceu, o mercado reagiu muito mal. A Bolsa caiu, curva de juros subiu e o dólar disparou. Essa mudança do teto foi muito tumultuada, mal comunicada. O mercado se assustou não tanto com o tamanho da mudança, mas com os sinais que foram dados.
A que sinais o sr. se refere?
A percepção do mercado foi a seguinte: ‘Se é tão fácil mudar a Constituição quando eles querem aumentar o gasto, o que garante que não vão tentar mudar novamente daqui a um, dois ou três meses?’. Teve ainda a questão dos precatórios, que também foi muito mal encaminhada. O mercado se assusta muito também com o discurso de alguns candidatos contra o teto, sem falar o que vão colocar no lugar. O resultado disso tudo é que a gente terminou 2021 num cenário atípico. Os números são bem melhores do que o mercado esperava, mas a percepção de risco fiscal piorou e machucou bastante os preços dos ativos.
Mesmo considerando todas essas questões, tem uma disparidade enorme entre a narrativa dominante no mercado e a realidade dos números que o sr. apresentou.
Tem. A gente está no seguinte dilema hoje: ou a narrativa vai se aproximar da realidade ou a realidade vai se aproximar da narrativa e a visão de que as coisas estão ficando muito ruins vai se consolidar. A arte da política econômica, além de dados, é também expectativa, comunicação. É mostrar credibilidade. Não adianta falar que a percepção do mercado foi certa ou errada. O fato é que o mercado se assustou e a gente tem de trabalhar com a realidade.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.