Os estrangeiros têm deixado de lado os riscos domésticos – como o desequilíbrio das contas do governo e as eleições de outubro – e tem aumentado a aposta no Brasil, atrás de ativos atrelados a “commodities” (matérias-primas cotadas globalmente), cujos preços dispararam após a Rússia invadir a Ucrânia.
O saldo entre entradas e retiradas de investidores estrangeiros na B3 já soma R$ 92 bilhões neste ano, até o pregão da última segunda-feira. Apenas em março, até dia 28, são R$ 26,4 bilhões, contando 19 dias úteis, por causa do carnaval. Em três meses de 2022, o valor está perto dos R$ 104,2 bilhões de todo ano de 2021.
O aumento da entrada desses recursos é um dos fatores que explicam a queda da taxa de câmbio abaixo de R$ 5. O dinheiro de fora ajuda ainda a reduzir as pressões inflacionárias e amortece novos choques externos sobre a economia brasileira, como os associados ao conflito no Leste Europeu, disseram economistas ouvidos pelo Estadão.
Somente grandes fundos globais de ações destinaram US$ 7,7 bilhões ao mercado brasileiro nos três primeiros meses do ano, também até o último dia 28, mostrou levantamento da consultoria americana EPFR, feito a pedido do Estadão. Em 2021, os fundos monitorados pela consultoria destinaram US$ 14 bilhões ao Brasil. O fluxo de março, positivo em US$ 3 bilhões, é o maior desde o início da pandemia.
Houve aumento na destinação de dinheiro estrangeiro para diversos emergentes nos últimos meses, apontou o levantamento da EPFR, mas, segundo profissionais do mercado financeiro, o Brasil se destacou pelo tamanho e pela preferência pelas commodities. “Não é que o investidor estrangeiro esteja extremamente otimista com o Brasil, mas está animado em relação a outras opções do mercado”, disse Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP Investimentos.
DESEMPENHO
Economistas citaram uma série de fatores para explicar o investimento estrangeiro no Brasil. Em primeiro lugar, há um movimento de correção do desempenho do mercado brasileiro em relação aos demais emergentes. No início da pandemia, em 2020, as bolsas de valores dos emergentes viram as ações afundarem e o dólar saltar. Da segunda metade daquele ano em diante, com a retomada da economia global, tanto ações quanto as moedas dos emergentes se recuperaram, num processo que continuou em 2021.
Só que o Brasil ficou de fora. Na prática, os ativos brasileiros começaram o ano baratos em relação aos fundamentos da economia, segundo a economista-chefe para o Brasil do banco de investimentos JPMorgan, Cassiana Fernandez.
Uma melhora nas contas do governo e a rapidez do Banco Central ao elevar os juros, lembrou Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), também ajudaram o movimento.
Todos os países estão em ciclos de alta dos juros, mas, segundo Castelar, o BC brasileiro saiu na frente, colocando os juros brasileiros acima dos demais países, como sempre foi. Juros mais elevados oferecem maior retorno financeiro para investimentos em títulos de dívida, por exemplo. Já a melhora nas contas do governo pode não ser sustentável, mas reduz o risco-país.
Cassiana Fernandez, do JPMorgan, lembrou ainda que o Brasil está longe do conflito no Leste Europeu e os investidores estão “mais preocupados em tirar investimento da Rússia e dos países da região”.
Para Fábio Akira economista-chefe da BlueLine Asset Management, a dúvida é até quando o “amor” dos investidores de fora vai durar. “Tem um pouco de ciclotimia do mercado. Vira de queridinho para patinho feio rapidamente”, disse.
INFRAESTRUTURA
Não são apenas as aplicações de curto prazo que atraem os estrangeiros para o Brasil. O cenário é favorável também para investimentos de longo prazo em infraestrutura, diante da lista de ativos à disposição no País.
Responsável pela área de Project Finance do Santander, Edson Ogawa enxerga nesse momento uma movimentação maior para investimentos em infraestrutura do que observava há um ou dois anos.
“Temos visto vários eventos de curto prazo que estão gerando esse fluxo maior de recurso entrando no Brasil, mas são recursos que têm foco muito grande no cenário específico do capital. No mundo da infraestrutura, o investidor estrangeiro e local sempre está olhando o longo prazo”, diz.
É esse olhar para daqui a 15, 20, 25 anos que tem tornado o Brasil atraente, apesar dos desafios e das incertezas do processo eleitoral. “Temos projetos bastante interessantes, e o Brasil com certeza é um dos mercados mais interessantes para se olhar.”
Segundo ele, o governo não tem recursos para realizar investimentos necessários para melhorar a infraestrutura, e o País precisa atrair cada vez mais capital estrangeiro para atingir as metas de investimento no setor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.