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Alê Abreu une utopia, fantasia e resistência em ‘Perlimps’

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Estadão Conteúdos

Filmes de animação costumam ter longa gestação – desde o surgimento da ideia até a estreia em telas de cinema e streaming, passam-se anos, às vezes décadas. Mas, quando é anunciada a chegada de uma nova obra, é motivo de festa. Principalmente quando o trabalho tem a assinatura de Alê Abreu, um dos mais importantes e criativos animadores brasileiros da atualidade. Depois de se consagrar mundialmente com O Menino e o Mundo, ele agora apresenta Perlimps, cuja estreia mundial acontece no Festival de Annecy, na França, em junho.

“Iniciar a trajetória neste festival, que é referência para o cinema de animação, era um dos nossos sonhos”, comentou Abreu ao Estadão, cujo sorriso se estendeu de orelha a orelha ao descobrir, durante o encontro, um comentário de Marcel Jean, diretor artístico de Annecy, publicado no site da revista Variety. “O filme é simplesmente lindo. É, ao mesmo tempo, uma história de agentes secretos e uma fábula pacifista e ecológica, um longa que deixa o público maravilhado”, disse. “É uma joia pura.”

Tamanha empolgação traz segurança para o primeiro passo a ser dado por Perlimps que, até estrear no circuito brasileiro (entre dezembro e janeiro de 2023), deverá participar de uma série de festivais cujas premiações serão como medalhas colocadas no peito estufado do realizador.

Aos 51 anos, Alê Abreu vive intensamente seu trabalho, a ponto de cada novo processo criativo ser uma experiência de vida. “É um momento de entrega total, em que tudo ao meu redor tem um significado específico”, conta ele, cujos primeiros flashes do que se tornaria a trama de Perlimps vieram em 2013, quando ainda trabalhava na finalização de O Menino e o Mundo. “Todo filme começa para mim como um processo de investigação. Assim, vou tomando notas das ideias que surgem e, quando o volume de anotações torna-se grande, é possível que ali já exista o projeto de um novo longa.”

Assim, entre 2014 e 2015, ele se isolou em uma pousada no interior de São Paulo para classificar e entender as ideias. “Minhas criações sempre nascem a partir de um vazio, mas, ao contrário de outros projetos que sempre surgiram a partir de imagens, esse se desenvolveu no formato de um roteiro, algo inédito para mim”, conta. “É por isso que Perlimps se destaca por ter mais diálogos.”

REINOS. A animação mostra a jornada de aventura e fantasia de Claé e Bruô, agentes secretos de reinos rivais. A dupla precisa superar suas diferenças e unir forças para encontrar os Perlimps, criaturas misteriosas capazes de encontrar um caminho para a paz em tempos de guerra.

“É uma história sobre a aproximação entre dois reinos”, diz Abreu, cuja trama é metáfora para povos em conflito, o que resulta em invasões e dominações. “O Bosque Encantado é o espaço que simboliza a infância e é defendido pelos Perlimps, que tentam evitar o conflito entre os gigantes, pois isso destruiria aquele espaço.”

O processo de criação foi subitamente interrompido em janeiro de 2016, quando O Menino e o Mundo foi anunciado como finalista na categoria de animação do Oscar. De repente, a rotina de Abreu, antes tranquila, virou de cabeça para baixo. Foram meses dedicados à divulgação do filme e, mesmo derrotado por Divertida Mente na corrida pela estatueta dourada, só a indicação bastou para abrir portas em todos os cantos do mundo. “Até hoje, não há uma semana em que não chegue ao menos um pedido para exibição.”

Diante de uma avalanche de convites de todos os tipos, Abreu não se abalou, mantendo-se coerente com uma de suas principais virtudes: “Jamais deixei meu ego inflar, mesmo com tanta badalação. Sempre segui fielmente o pensamento de um dos meus artistas preferidos, o pintor suíço Paul Klee, adepto da filosofia da árvore: o artista representa o tronco, se alimentando do que vem das raízes e ajudando a criar as folhas e as flores.”

GREMLINS. Foi essa abertura para o trabalho conjunto que permitiu a Abreu se aliar a dois importantes artistas na criação de Perlimps: os produtores e diretores Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi, que trouxeram tanto apoio financeiro (por meio da Buriti Filmes) como imaginativo, ao criar um estilo de trabalho baseado na troca de ideias. “Não havia ciúmes, sempre a melhor sugestão era abraçada por todos”, conta o realizador. “Foi o Luiz, por exemplo, que sugeriu o nome Perlimps, ao pensar em gremlins e pirilampos até chegar no atual.”

Ao grupo, juntou-se ainda o produtor Ernesto Soto Canny e o roteiro ganhou preciosa contribuição da escritora Adriana Falcão. “Ela chegou quando a história parecia amarrada, mas fez sugestões tão significantes que modificamos muitos detalhes”, comenta Abreu, que convidou ainda o grupo musical O Grivo para criar os sons incidentais de cada cena.

O resultado é uma animação com personagens vívidas e coloridas que, desenhadas à mão e em 2D e 3D, revelam detalhes abstratos e significativos sobre o valor dos sonhos.

“O cinema de Alê Abreu une utopia, fantasia e resistência. O modo artesanal com que todos os fundos são pintados à mão, a animação feita em traço livre, a pequena equipe, tudo funciona sutilmente para contar histórias grandiosas e universais que falam de seres cósmicos e confrontos arquetípicos”, disse Bolognesi à revista Variety. “Perlimps traz uma história que pode estar acontecendo agora na fronteira entre Ucrânia e Rússia.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.