Conhecida pela sua defesa das privatizações, Landau diz que vender a Petrobras não é a prioridade no momento. Antes, o ideal seria repassar as subsidiárias da estatal ao setor privado, afirmou a economista, que foi diretora de desestatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no governo Fernando Henrique Cardoso. “A gente tem de deixar a Petrobras contribuindo bilhões de reais (em dividendos) com o governo. Se o governo usa mal o que ele recebe, é outra discussão.”
Ainda em relação à petroleira, Landau disse que é preciso manter o alinhamento de preços dos combustíveis com o mercado internacional. Em caso de um choque na cotação, como o ocorrido neste ano, a melhor saída seria distribuir uma ajuda financeira à população mais vulnerável para que ela possa comprar o produto. “O que você não pode é dar um desconto no imposto para quem não precisa”, acrescentou.
A economista admitiu ser difícil a chegada de Tebet ao segundo turno, e lamentou que a entrada da candidata na disputa tenha se dado tão tarde – Tebet tem 5% das intenções de votos, segundo a última pesquisa do Datafolha.
Sobre um possível segundo turno entre Bolsonaro e Lula, Landau disse que não dialogaria com nenhum dos candidatos. “O programa do PT é de intervenção de Estado. É totalmente distante do que o nosso grupo acredita. Pode ser que o Lula esteja fazendo isso para ganhar a eleição. Pode ser que ele mude de ideia quando assumir. O Lula é uma grande incógnita. Bolsonaro, não. O Bolsonaro não tem jeito.”
Confira trechos da conversa com Landau, que abre a série de entrevistas feita pelo Estadão com os economistas dos candidatos à Presidência.
A candidata Simone Tebet falou, recentemente, em decretar estado de calamidade para pagar a fila do SUS. Isso conversa com a política fiscal que vocês estão traçando?
Não ouvi essa questão, mas acho que o que ela tem na cabeça é que a situação do SUS carrega um atraso desde a pandemia. É preciso recuperar os atrasos da pandemia, seja recomposição de aprendizagem, seja fila do SUS. Nesse sentido, na discussão de qual regra de ajuste fiscal a gente vai fazer para substituir o teto de gastos, podemos colocar essas questões emergenciais. Tem gente que fala em ‘waiver’ (dispensa para gastar), tem gente que fala em fazer um fundo especial para o social. A gente começou a falar um pouco de ‘waiver’, mas recuamos. Quando você fala em ‘waiver’, cada pessoa surge com uma prioridade. A gente quer fazer uma revisão completa do Orçamento, priorizando o gasto social. Não vou entrar com Orçamento com desoneração de R$ 50 bilhões de combustível. Isso não é prioridade. Auxílio Brasil a R$ 600, perfeito. Vamos manter. Vamos focalizar em quem precisa. A prioridade do nosso programa é social. A gente confia que o setor privado faz infraestrutura. Nós não vamos tirar investimentos de qualquer restrição de despesa.
Mas o que seria o novo teto de gastos?
A gente vai ter de fazer um novo cálculo do teto. Ele tem de funcionar como o anterior no sentido de que tem de ter limitação de despesas. Gosto mais da meta do superávit primário do que de uma meta de dívida. A gente vai ter uma política de despesa e metas na política fiscal. Até podemos ter um ‘waiver’, mas não pode ser indefinido. É uma regra de transição para superar a herança verdadeiramente maldita que vamos receber em 2023. Não é um plano de que você vai tirar uma coisa do teto para sempre.
Qual seria o tamanho do ‘waiver’ necessário para 2023?
Sou muito cautelosa. Temos de sentar e estudar. O nosso grupo de economistas de regras fiscais – Persio Arida, Edmar Bacha… – estava discutindo como seria. Não adianta angustiar agora. O Bolsonaro ainda vai afrontar muito até 2 de outubro. É uma dinâmica de desconstrução das contas públicas num nível de rapidez.
Vocês dizem que o teto acabou e que é preciso uma nova âncora de despesa, mas não estão falando qual seria ela.
Temos que calcular. O teto veio com umas coisas que sabíamos que tinham de ser consertadas. Podemos até manter o teto, adaptar a herança, mas ninguém sabe o que vai receber (do governo Bolsonaro).
A sra. disse que a prioridade é o social e que, para infraestrutura, tem o setor privado. Nas eleições de 2018, o Paulo Guedes disse que faria concessões, e o setor privado decolaria com obras de infraestrutura. Não foi o que vimos. O que fazer para isso não se repetir?
Primeiro, tem de ter um presidente que dê rumo, confiança, que a comunidade internacional respeite, que não ataque o meio ambiente. É preciso segurança jurídica. Mas hoje o Paulo Guedes fala uma coisa e depois deixa o jabuti da Eletrobras passar, que é péssimo para o investidor. É um sinal de que o governo perdeu o controle do planejamento do setor elétrico. Como você fala que quer trazer investidor com a volatilidade do dólar que o Brasil tem? Cada vez que o Bolsonaro fala uma coisa ou que o Guedes fura o teto, o dólar responde. É uma insegurança grande. O Brasil perdeu gestão. É vergonhoso para o Brasil ter a licitação de Congonhas e só um licitante. Acho que, no momento em que a gente mudar a agenda ambiental, em que tiver um choque de gestão na administração pública e o BNDES voltar a ser um ator importante na montagem do projeto básico, vamos melhorar a qualidade dos investidores em infraestrutura.
O mercado tem apostado que, em um eventual segundo mandato do Bolsonaro, a privatização da Petrobras poderia ser encaminhada. Vocês fariam algo nessa linha? O que privatizariam?
A desestatização entra no nosso programa na redução de despesas. Na época em que eu fiz desestatizações, usamos os recursos para diminuir a dívida. Agora, todos os recursos têm de ir para programas sociais específicos. O segundo ponto é fechar empresa que tem duplicidade e que o setor privado pode assumir. Hoje, temos 48 estatais e cento e poucas subsidiárias. Dessas 48, 18 são dependentes do Tesouro. Temos de avaliar se essas dependentes têm necessidade de se investir. Os Correios, a gente tem de cuidar, porque têm 90 mil funcionários. Tem de pensar nos Correios sob o ponto de vista social.
Não privatizaria os Correios então?
Não sei se o governo consegue vender os Correios. A parte postal, da qual tem monopólio, que é o que pode ser concedida, está em decadência. E a parte de encomendas é o que mantém os Correios. Então tem de pensar em como fazer e como alocar 90 mil funcionários. Aí você tem de fazer reforma administrativa, para permitir a realocação dos funcionários. Agora vamos falar de Petrobras. A gente tem as subsidiárias da Petrobras primeiro. Isso está no programa da Simone. Tem Transpetro, tem Braskem, tem a antiga Gasbol, tem as refinarias. Mas você não consegue vender refinarias com a ameaça constante de intervir nos preços dos combustíveis. Então tem de garantir a política de paridade de preço da Petrobras e dar continuação nas (vendas das) refinarias.
Mas vimos neste ano uma pressão da população por causa da política de paridade e de como ela acelera a inflação. Vocês adotariam alguma medida para evitar isso?
Acho que, se você tiver um choque emergencial como o deste ano, você faz política de emergência. Você não pode prejudicar a Petrobras com intervenção, porque você está prejudicando a função social da Petrobras, que é cumprir seu estatuto, e a sociedade brasileira. Podiam ter feito neste ano o que todos os países do mundo fizeram imediatamente: voucher (à população mais carente). O que você não pode é dar um desconto no posto de gasolina no imposto para quem não precisa. A gente tem de reforçar a lei das estatais, reforçar o papel das agendas reguladoras e deixar a Petrobras fazer o que ela sabe de melhor: exploração, pesquisa e tecnologia. E deixar ela contribuindo com centenas de bilhões de reais com o governo. Se o governo usa mal o que recebe, é uma outra discussão.
Então a privatização da Petrobras está descartada?
Acho que não é a prioridade no momento, porque a Petrobras é a empresa que mais dá recursos para o Tesouro, mas as subsidiárias são. A desverticalização é. A competição no setor é. E se um dia tocar na Petrobras, será vinculado à política social.
O presidente Bolsonaro falou agora em Auxílio Brasil de R$ 800. Está um ‘quem dá mais’. A Simone vai resistir a isso?
Ela está resistindo. Ela tem crescido pela firmeza dos propósitos, pela sinceridade do que está falando, pela qualidade do programa econômico… Tem de resistir. A Simone sabe que inflação é o pior imposto. Não é R$ 800 ou R$ 1 mil que vai resolver o problema da população brasileira. Você tem de ter uma renda mínima. A gente está apoiando isso.
Como resistir à política do quem dá mais?
Não pode cair nessa. Se vai para R$ 1 mil, as pessoas vão ficar eternamente na vulnerabilidade. Você desincentiva a formalização do trabalho. Se a gente for olhar pela necessidade de uma família vulnerável, você pode dizer que R$ 800 é até pouco. Mas não é essa a questão. A questão é criar condições para atacar a miséria e criar capacitação. O poder do populismo é que ele é paternalista. Ele quer manter ali ‘o pai dos pobres’. A gente não, a gente quer emancipar.
O movimento suprapartidário “Pra Ser Justo” fez uma análise de todas as campanhas e disse que a da Simone Tebet tem uma proposta tributária mais progressiva. Vai ser preciso aumentar a carga tributária para resolver a questão fiscal?
Nosso objetivo é fazer do Imposto de Renda parte do combate à desigualdade no Brasil. Rico não paga imposto no Brasil. Tem de organizar o sistema de regimes especiais. Tem de acabar com subsídios. Então nossa reforma é melhor. A gente faz a desoneração da faixa até um salário mínimo, em vez de ser desoneração setorial, que não tem nenhum registro de que gera de fato emprego. A gente vai fazer no horizontal, na faixa de renda. A simplificação, de um lado, é para melhorar a produtividade e aumentar o emprego. Mas a mudança do Imposto de Renda é voltada para aumentar a progressividade. Vamos tributar dividendos. As pessoas perguntam se vamos tributar grandes fortunas, digo que sim. Mas não no patrimônio, e sim na renda. A gente tem essa ideia de botar o rico pagando imposto. Não temos intenção de elevar a carga tributária. Ela já está elevada.
A Simone está com 5% das intenções de voto. É difícil fazer essa virada em pouco tempo
Uma pena. Começamos tarde.
Caso o segundo turno seja entre os dois líderes das pesquisas, Lula e Bolsonaro, de que modo você e o grupo de economistas que está trabalhando com a Simone poderia conversar com o projeto do PT?
Eu diria que é um diálogo de surdos.
Como a equipe do Bolsonaro também?
Também. Não estou disposta a conversar. Não posso falar pela minha equipe nem pela Simone. Eu não contribuo em nada para nenhum dos dois. Tem uma questão muito séria que foi a maneira como o Lula tratou a herança recebida pelo governo Fernando Henrique. Ele diz que foi uma herança maldita. Não adianta ele levar o Geraldo Alckmin e continuar dizendo que pegou um Brasil destruído, porque não é verdade. Isso é um desrespeito com todo muito que trabalhou no Plano Real. Estou falando do meu ponto de vista. Os outros, não posso dizer se estarão disponíveis a construir um Brasil. O programa do PT é de intervenção de Estado, de restatização, de voltar o campeão nacional, de voltar a TJLP. É totalmente distante do que o nosso grupo acredita. Pode ser que o Lula esteja fazendo isso para ganhar a eleição. Pode ser que ele mude de ideia quando assumir. O Lula é uma grande incógnita. Bolsonaro, não. O Bolsonaro não tem jeito, não vai mudar, não quer mudar.
Mas a própria Simone fala em diálogo.
Nosso programa está à disposição. É público. Estou falando do meu ponto de vista pessoal. Eu só entro num projeto em que acredito. A Simone me convidou: ‘eu quero você coordenando meu programa porque é liberal com olhar social’. Não acredito que, com intervenção do Estado, com refinarias nacionais, o problema social no Brasil vai ser resolvido. Não deu certo uma vez e não vai dar certo na segunda vez.