Outro exemplo veio do setor financeiro: a B3 foi a primeira Bolsa do mundo a captar recursos no exterior também com o compromisso de cumprir metas sociais específicas. Dentre os compromissos acertados, está o de ter pelo menos 35% de seus cargos de liderança ocupados por mulheres até o fim de 2026. Levantou quase R$ 4 bilhões (US$ 700 milhões).
Incipientes até 2019, iniciativas como estas têm crescido em número e volume tanto no Brasil como no resto do mundo. A estimativa de especialistas é de que, só neste ano, as emissões globais de bônus vinculados a metas sociais registrem alta de 15% em relação a 2020. No País, a projeção já é atingir participação de 5% no total de R$ 100 bilhões em emissões vinculadas aos compromissos ESG (referência à ambiental, social e governança, na sigla em inglês).
Uma das explicações para essa mexida do mercado tem a ver com a pandemia de covid-19, que aumentou as desigualdades entre ricos e pobres. Com a possibilidade de atrelar a captação de recursos a metas sociais, algumas empresas começam a colocar o assunto dentro da estratégia de negócios, atendendo, de outro lado, a uma demanda maior dos investidores, que cada vez mais colocam papéis ESG dentro de suas carteiras.
No Brasil, as primeiras emissões exclusivamente sociais incluem empresas como a Gyra+, que levantou R$ 120 milhões no mercado interno para conceder empréstimos a pequenas e médias empresas com dificuldades para se financiar. Já a Pravaler captou R$ 20 milhões para financiar cursos de curta duração para pessoas que estão ingressando no mercado de trabalho, enquanto a Vivenda lançou um título financeiro de R$ 5 milhões para financiar reformas de casas populares. Nestes três casos, o dinheiro captado é “carimbado”, para o uso exclusivo de determinados projetos.
No caso do Fleury, a emissão também compreendeu uma meta vinculada ao meio ambiente: redução do índice de geração de resíduos biológicos pela empresa, como agulhas que são utilizadas nas coletas de exames. Por misturar uma meta social com outra relacionada ao meio ambiente, o título emitido ganho o selo de sustentável, como são chamados aqueles que mesclam as características das três letras que formam o ESG. “Temos uma história com questões de sustentabilidade há 20 anos. O ponto mais relevante nessa emissão é como incorporar o conceito do ESG em nosso modelo de negócio”, comenta a presidente do Fleury, Jeane Tsutsui.
O responsável pela área de renda fixa do Citi, Claudio Mattos, diz que o ritmo de conversa com as empresas está aquecido em torno desse tipo de emissão, mas acrescenta que as empresas só irão capturar os benefícios intrínsecos dos aspectos ESG se essa questão estiver, de fato, enraizada na cultura da empresa. “As empresas que não levam em consideração esses aspectos vão, eventualmente ficar para trás.”
Já o responsável pela emissão de dívida externa do Bradesco BBI, Gilberto Noburo Nakayasu, explica que hoje o mercado das dívidas ESG se abriu. Se antes as empresas podiam captar utilizando o selo verde para destinar todos os recursos a um determinado projeto com o viés sustentável, agora a dívida atrelada a metas ESG não coloca um carimbo de uso do dinheiro, o que abre um mar de possibilidades para mais empresas fazerem esse tipo de emissão. “São inovações recentes”, comenta.
JUROS
Um diferencial nesse tipo de operação costuma ser a possibilidade de alta dos juros pagos pelas empresas aos investidores, casos elas deixem de cumprir as metas previamente acertadas. Dessa forma, explicam os analistas, as metas não podem nem ser muito básicas – e, por isso, fáceis de ser cumpridas – nem ousadas demais – e consideradas descoladas da realidade.
No geral, muitas metas sociais que estão surgindo tem relação com a diversidade, como aumentar a presença de mulheres em cargos de liderança. Apesar das métricas das empresas, no geral, ainda soarem tímidas, o responsável pela área de sustentabilidade do Bradesco BBI, Caio Andrade Cesar, diz que as emissões de dívida precisam se enquadrar ao negócio da companhia, seja ambiental, social ou de governança. E, ao contrário do que a expressão social possa dar a entender, a meta não pode ser uma filantropia.
Nessa onda de títulos sustentáveis, a credibilidade das emissões é ponto indispensável. E para evitar que as captações sejam realizadas por puro marketing, precisam passar pelo crivo de uma certificadora. No Brasil, a Sitawi é uma das principais consultorias ESG que podem dar esse selo, que confirma que uma operação vendida como ESG é, de fato, ESG.
Segundo o presidente da Sitawi, Gustavo Pimentel, um dos trabalhos como avaliador externo da operação é verificar, no caso de uma emissão vinculada a metas, se elas são ou não relevantes, se possuem aderência ao negócio da empresa e se são ambiciosas o suficiente. É preciso um grande escrutínio na hora de dar esse rótulo ESG à operação, até mesmo para que o instrumento não tenha seu uso banalizado, aponta Pimentel.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.