Por Thiago Goulart – Editor do Blog Valor Educação
“Há mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia”. A máxima é de William Shakespeare. Explico-me ao fim.
No artigo anterior, chamei atenção para o que deve ser a reforma de maior impacto fiscal no longo prazo: a Tributária. Trouxe à tona as dificuldades em torno da ambição das Propostas de Emenda Constitucional (PECs) por se tratar de um ano eleitoral. Contudo, abre-se espaço para as reformas microeconômicas ou microrreformas que podem desatar os nós de gravata de boa parte da burocracia brasileira.
Competitividade econômica
Trata-se, na verdade, de aumentar o poderio competitivo brasileiro a partir do recrudescimento produtivo. Entre os principais fatores para a baixa produtividade econômica no Brasil estão a elevada burocracia, o baixo índice de abertura comercial e a falta de qualificação do trabalhador.
Por outro lado, há razões clarividentes para a realização dessas microrreformas. É o caso, por exemplo, do protagonismo e o compromisso do Congresso com essas transformações, a vontade de certos segmentos importantes do governo, além do senso de urgência de que, apesar do passo relevante conquistado na reforma previdenciária, há muito o quê fazer em relação ao controle fiscal.
Prova disso foi a aprovação em dezembro passado de um novo Marco Legal do Saneamento pela Câmara dos Deputados. O projeto, aliás, deve estimular investimentos de até 700 bilhões de reais.
Há também, pronta para tramitar no Congresso a Lei Geral das Concessões. Neste caso, aumenta-se a segurança jurídica dos projetos, além de estimular a criação de debêntures incentivadas em infraestrutura (debêntures são títulos de crédito emitidos por empresas com o objetivo de captar recursos). Isso possibilita que os emissores paguem taxas de retorno maiores aos investidores, ajudando a popularizar essa forma de investimento.
Para termos uma ideia, as empresas brasileiras gastam até 1,5 trilhão de reais – dados realizados pelo Movimento Brasil Competitivo – a mais do que a média dos países da OCDE, para contratar e manter funcionários, calcular e pagar tributos e responder a processos judiciais.
Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, por um lado, como muitas empresas estão ainda com alta capacidade ociosa, o crescimento nos próximos três anos está praticamente assegurado. Por outro lado, se nada for feito agora, o futuro deve ser sombrio. “A situação fiscal está melhorando e devemos ter superávit em 2023, mas é um cenário que não será duradouro sem reformas estruturais e sem aumento da produtividade”.
As microrreformas
A revista Exame elencou alguns projetos que estão aguardando a liberação da presidência da Câmara dos Deputados para ir a plenário ou já foram aprovadas na Câmara, devendo retornar ao Senado para, em seguida, obter a sanção presidencial.
- Lei das Licitações
. Projeto: Institui novas regras para licitações e contratos da administração pública;
. Efeito: Cria modalidades de contratação e aumenta o grau de transparência.
- Privatização da Eletrobras
. Projeto: Desestatização da empresa por meio do aumento de seu capital social;
. Efeito: Com a emissão das ações, haverá novos investimentos e aumento de eficiência.
- Exploração e produção de petróleo do pré-sal
. Projeto: Revoga o direito de preferência da Petrobras nas licitações do regime de partilha;
. Efeito: Aumenta a segurança jurídica e prioriza concessões em vez do regime de partilha.
- Novo marco para o setor de gás
. Projeto: Define novas regras para o setor de gás, dando segurança jurídica a decisões da ANP;
. Efeito: Abre o mercado e pode gerar 50 bilhões de reais em investimentos.
- Nova Lei de Falências
. Projeto: Moderniza a legislação sobre falências e recuperação judicial;
. Efeito: Facilita a renegociação de dívidas e os processos de falências.
- Licenciamento ambiental
. Projeto: Flexibiliza o processo de emissão de licenças ambientais;
. Efeito: Cria regras mais claras e diminui a burocracia no licenciamento.
- Marco Legal de Startups
. Projeto: Apresenta medidas de estímulo à criação de startups;
. Efeito: Simplifica a legislação e facilita a abertura e o fechamento de empresas inovadoras.
- Lei Geral de Concessões
. Projeto: Unifica e altera a legislação para facilitar concessões PPPs;
. Efeito: Incentiva os investimentos privados na União e em estados e municípios.
Em tempo de refletir
Apesar de não se configurarem como reformas vistosas, essas transformações micro, uma vez consolidadas, tendem a gerar impactos macro na economia brasileira.
Se boa parte do jornalismo deseja narrar pautas trágicas ou negativas – sempre foi a lógica da rentabilidade dos veículos de comunicação – sobre o que ocorre no cenário político-econômico, o atual governo merece atenção especial nessas agendas que já estão postas.
Daí recorrer à citação shakespeariana: “Há mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia”.
Thiago Goulart
* Editor do Blog Valor Educação
Professor e jornalista pela PUC-SP com ênfase em economia, tendo atuado como repórter político na Câmara Municipal de São Paulo.
e-mail: tgoulart@valorinvestimentos.com.br