A maior parte do aumento das movimentações no alto escalão se deve a trocas nos quadros adiadas pela covid-19 e a projetos interrompidos e, agora, retomados. Mas uma parcela do aumento das contratações ocorre também por causa do fim da “lua de mel” entre empresas e executivos – no caso daqueles que trocaram de emprego no auge da pandemia e, sem conhecer as equipes, não conseguiram liderá-las remotamente.
Pesquisa da consultoria americana Signium, especializada na contratação de alto escalão (o chamado C-Level, no jargão do mercado), mostrou crescimento de 62% no número de admissões no primeiro semestre ante o mesmo período de 2021. As contratações foram feitas por multinacionais e grandes empresas nacionais.
Do total de admissões, 80% foram motivadas por substituições e, destas, 32% dizem respeito a movimentações de profissionais que tinham mudado de emprego na pandemia e não deram certo. “É um número considerável”, diz Eduardo Drummond, sócio da Signium.
Ele ressalta que, para esses cargos, o principal requisito é a capacidade de influenciar e gerenciar pessoas. E, se o executivo não consegue fazer isso a distância, é difícil mantê-lo na empresa.
“Alguns executivos mudaram na pandemia e perceberam que o novo emprego não era o que esperavam. Agora, estão fazendo um novo movimento”, diz Tiago Salomão, sócio sênior da Korn Ferry, outra importante consultoria.
FUSÕES. Além da retomada de projetos – o principal fator -, Salomão diz que as fusões entre empresas têm levado a mudanças na governança e exigido novas contratações.
Entre fevereiro e abril, por exemplo, a Korn Ferry teve crescimento de 22% na receita global com serviços de recrutamento de executivos, presidentes e membros de conselhos ante os mesmos meses de 2021. “Foi o melhor trimestre da história globalmente, regionalmente e localmente.”
Também a Page Executive, especializada em alto escalão, ampliou em 135% a receita no País no primeiro semestre em relação a igual período de 2021. “Parece um número absurdo, mas é histórico, é real”, diz Paulo Dias, sócio da Page.
Os cargos mais demandados foram diretor financeiro, presidente, diretor comercial, diretor de negócios, diretor de operações e conselheiros.
Busca por resultados e dificuldade de adaptação puxam trocas nas empresas
Mais da metade (60%) das trocas de executivos em postos de alto escalão registradas no primeiro semestre deste ano – independentemente dos motivos da mudança – ocorreu por iniciativa das empresas, que viram os resultados não serem atingidos, aponta pesquisa da consultoria americana Signium, especializada no recrutamento desses profissionais.
Do lado dos executivos, entre os principais motivos para querer trocar de emprego, apareceu a dificuldade de adaptação cultural, potencializada pelo fato de as equipes estarem trabalhando remotamente durante a pandemia, aponta Eduardo Drummond, sócio da consultoria.
Outra razão foi a divergência no modelo de trabalho desejado pelo executivo (presencial ou remoto) e o oferecido pela empresa, além da intenção do profissional de buscar companhias que tenham, cada vez mais, valores que ele considere alinhados com seus propósitos de vida – outra tendência que foi acentuada pela pandemia.
Essas razões foram comprovadas em recente levantamento feito pela consultoria com executivos contratados. A enquete mostrou que 43% deles indicaram a dificuldade de adaptação com a cultura da empresa como o motivo da mudança, seguido pelo modelo de trabalho híbrido ou home office (26%), escopo de trabalho (17%) e a remuneração (13%).
“As pessoas não estão saindo de uma empresa para ir para outra por causa de salário”, diz Drummond. O momento de parada forçada provocada pela pandemia fez com que as lideranças começassem a refletir sobre a identidade cultural com a empresa na qual trabalham e se os propósitos são coincidentes, se têm a mesma “pegada”, diz o consultor.
PROPÓSITO. Esse foi o caso de Eduardo Roveri, de 40 anos, formado em administração de empresas, com MBA em gestão de pessoas pela FGV, e que há 20 anos atua em altas posições na área de recursos humanos em grandes companhias.
Depois de 15 anos na área de bebidas, em 2019 ele foi trabalhar numa multinacional americana de empilhadeiras. Por lá, ficou até junho deste ano, quando voltou às origens. Roveri diz que estava feliz na empresa anterior, mas foi atraído para a nova pelo propósito. “Eu me conectei com a proposta da empresa.”
A multinacional europeia está há dez anos no Brasil e agora planeja uma fábrica no País. Será a primeira unidade de produção fora da Europa, e Roveri diz que o propósito da companhia é ser a marca mais amada, não a mais vendida. “Isso me chamou atenção e fez eu querer fazer parte dessa história.”
O executivo conta que foi abordado por um headhunter e que aceitou passar por várias etapas de seleção antes mesmo de receber a proposta salarial, um pouco maior do que ele ganhava na antiga empresa. No entanto, essa informação só foi de seu conhecimento no estágio final das negociações. “O que pesou mais foi o propósito de construir uma marca que preza pela qualidade, com uma fábrica que usa muita tecnologia e voltada para a sustentabilidade.”
Há dois meses, o executivo está à frente desse novo desafio de construir do zero a área de recursos humanos da multinacional no Brasil. Ele é o número um da área no País e se reporta ao presidente da empresa no Brasil e na Europa.
Roveri é um exemplo das mudanças de comportamento dos profissionais de alto escalão que ocorreram na pandemia. “A pandemia fez a gente refletir mais sobre nós mesmos, e muitas dessas reflexões levaram as pessoas a mudar de vida e de trabalho.” Na prática, ele observou essa transformação em busca de propósito não só pessoalmente, mas também entre os profissionais que ele tem contratado. “Essa é a tendência para posições de alto e médio escalões.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.