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Taxas de Juros: Dificuldades e Desafios para a Esquerda Brasileira

Por
Frederico Mourão

Ontem, um amigo me perguntou se eu concordava com a ideia de que seria mais desafiador para um governo de esquerda abaixar o nível de juros da economia. Eu acredito que, de forma generalista, sim, e quero expor uma explicação que seja compreensível para qualquer leitor. Ressalto, apenas, que esse texto não expõe um posicionamento sobre minha escolha política de preferência acerca dos dilemas expostos, mas sim uma tentativa de compreensão de ações e consequências que precisam ser apreciadas para um debate sobre um tema público.

Para iniciar a exposição dos argumentos, começo com um pequeno passo atrás necessário para a discussão: de qual esquerda, ou de quais características da esquerda, estamos falando? Acredito que, para abarcarmos as principais questões da realidade brasileira, estamos nos referindo, nessa conversa, à esquerda desenvolvimentista. Ou seja, vamos nos referir ao grupo político formado a partir da compreensão de que o Estado tem uma função central no planejamento, fomento e execução do crescimento econômico. Assim sendo, partimos para os questionamentos sobre quais desafios esse viés econômico encontra para criar um ambiente sustentável para a manutenção das taxas de juros em níveis mais baixos.

Governos que enxergam o Estado como principal articulador do desenvolvimento econômico são governos com maior necessidade de expansão dos gastos públicos. E aqui não estamos falando dos gastos com políticas distributivas ou de apoio social diretamente, mas sim dos gastos com fomento de um segmento econômico específico entendido como estratégico. Esses gastos podem acontecer, principalmente, através de três mecanismos: crédito subsidiado, isenções fiscais e estruturação de empresas estatais.

O crédito subsidiado é uma modalidade em que o governo fornece linhas de crédito àquele segmento com taxas de juros abaixo daquelas praticadas em mercado. Para facilitar a compreensão desse mecanismo, seria como se a empresa contraísse o empréstimo ao custo de mercado, mas com o Estado pagando por parte desse empréstimo, sendo essa parte exatamente igual à diferença entre as taxas de mercado e a taxa subsidiada. A isenção fiscal é quando o Estado abre mão da cobrança de um tributo para as empresas do segmento alvo a fim de reduzir a estrutura de custos dessas empresas e melhor viabilizar as suas atuações. Essa renúncia fiscal é equivalente ao pagamento direto às empresas de um valor igual ao custo do imposto renunciado. Já a criação das estatais é uma situação clara de expansão dos gastos e pagamentos feitos pelo Estado. O investimento necessário para se levantar certas empresas podem chegar à casa dos bilhões de reais, e esse dinheiro é escoado em todos os segmentos econômicos que fornecem os insumos para a estruturação dessa estatal.

A conclusão a que pretendo chegar é que este movimento de fomentar e executar o crescimento econômico é um movimento de expansão fiscal, de injeção de dinheiro na economia. Se essa injeção de recursos não for perfeitamente executada (e é razoável esperar que ela não seja perfeita o tempo todo), acionando corretamente um complexo mecanismo de engrenagens que ligam a expansão da renda ao aumento da produção/produtividade, podemos ter um descasamento entre liquidez disponível para demanda (dinheiro circulando na economia) e capacidade produtiva. Basicamente, as pessoas e empresas ficam com mais dinheiro em mãos para comprar as mesmas quantidades e disposições de produtos. Em termos mais técnicos, dizemos que a expansão fiscal pode pressionar a capacidade produtiva, ou, melhor ainda, pressionar a demanda agregada da economia. Ou seja, pode-se aumentar a capacidade de demanda sem causar um igual aumento na capacidade de oferta. Uma das principais consequências dessa pressão sob demanda agregada é a inflação.

Em um outro lado desse panorama, está o Banco Central, que, no nosso desenho institucional atual, possui independência operacional para perseguir a meta de inflação definida pelo COPOM, e a principal ferramenta que o BC possui para o cumprimento do seu objetivo é justamente a definição da taxa básica de juros da economia. Em resumo, o BC sobe os juros quando precisa controlar uma inflação em níveis acima da meta e corta juros para estimular uma inflação abaixo da meta. Isto porque a taxa básica de juros tem um impacto direto na tal “demanda agregada”: quanto maiores os juros, menos estimulados estão os agentes econômicos para expandir seus gastos ou seus níveis de endividamento; com juros mais baixos, menor o interesse em guardar dinheiro e maior a disposição para o endividamento em busca de uma alavancagem nos negócios. Assim, quando a avaliação do Banco Central é de que a capacidade produtiva está próxima do seu máximo e, portanto, a demanda agregada está a ponto de ser pressionada, cresce a probabilidade de elevação de juros.

Por fim, o último ponto relevante para entender a tensão entre expansão fiscal e taxas de juros é a respeito das expectativas de inflação. Para cumprir sua missão de manter a inflação dentro da meta, o Banco Central não olha somente para a inflação que está acontecendo e sendo medida em tempo real (chamada de inflação corrente), mas também para as expectativas futuras que os agentes econômicos têm para a inflação. Isso acontece porque a inflação é um fenômeno que tem um quê de profecia autorrealizada: se um número grande e relevante o suficiente de pessoas acredita que ela vai acontecer, ela acontece. Se um comerciante espera que sua energia vá ficar mais cara, que sua logística vá ficar mais cara, que seus insumos vão ficar mais caros etc., ele sobe seus preços em um movimento antecipado em resposta a essa expectativa. Aliás, é por isso que o BC tem uma meta de inflação: ancorar as expectativas futuras dos agentes econômicos. Sendo assim, um entendimento difundido de que expansão fiscal aumenta o risco de inflação, como é o entendimento das vertentes econômicas mais ortodoxas, pode ser suficiente para pressionar a inflação corrente.

Logo, percebemos que existe um equilíbrio de forças sobre a demanda agregada e, consequentemente, sobre a inflação, em que expansão fiscal e juros altos atuam em lados opostos. Isso se coloca como uma das principais dificuldades enfrentadas por um governo desenvolvimentista, que é um posicionamento tradicional na esquerda brasileira, mas que não pertenceu só a essa parte do espectro político na nossa história, para a criação de um ambiente com taxas de juros sustentavelmente baixas. O principal desafio para essa esquerda passa pela execução da expansão fiscal de forma eficiente, com o progresso dos investimentos seguindo o caminho do crescimento de produtividade e sendo acompanhado por indicadores adequados que constantemente reavaliam o impacto dessa política de expansão de forma a não causar pressão sobre a inflação. As principais críticas a esse modelo passam pela incredulidade na capacidade do Estado em conduzir essas alocações de recursos de forma eficiente, ou pelo menos de forma mais eficiente do que a feita pela iniciativa privada, e pelos riscos de se manter a economia sempre na iminência de pressão sobre a demanda agregada.

E a sua visão ao final da exposição desse dilema? Se confrontado com situações em que você precise ponderar sobre os trade offs da atuação/subsídio estatal para um determinado segmento, como é feito nos EUA em relação à agricultura, por exemplo, você consegue esclarecer os desafios e os pontos contrários gerados por essa escolha?

 

 

 

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