Um dos grandes pontos de contato entre o universo jurídico e o mundo financeiro é, sem dúvidas, o ramo de Seguros e Previdência Privada. Seja em relação aos beneficiários indicados, ao valor colocado em cada apólice, quando analisado o patrimônio total do indivíduo e, principalmente, o momento de resgate dos valores aplicados.
O direito caminha ao lado dos instrumentos utilizados pelos ramos de seguros e previdência, trazendo a segurança jurídica necessária e requisitada por cada cliente, além de ser usado como base em casos de disputas judiciais.
Este ponto lança luz sobre um debate antigo sobre a declaração em inventário, ou não, da Previdência Privada aberta, na modalidade VGBL e PGBL, nas ações sucessórias em que o beneficiário da apólice não representa nenhumas das pessoas previstas no rol de herdeiros legais, de acordo com o art. 1829, CC/02.
Previdência Privada aberta
Primeiramente, devemos entender o significado de VGBL e PGBL, âmbito da Previdência Privada aberta. O PGBL é uma sigla para “Plano Gerador de Benefício Livre”, na medida em que o VGBL é uma sigla para “Vida Gerador de Benefício Livre” e suas distinções estão não só na forma como são classificadas, mas também na forma de tributação.
Enquanto o PGBL, é caracterizado por ser um plano de previdência complementar, o VGBL é entendido como um seguro de pessoa. No primeiro caso (PGBL), quem contrata pode abater as contribuições feitas do Imposto de Renda até o limite de 12% de sua renda bruta anual e os impostos são cobrados apenas no resgate e incidem sobre todo o valor. Já no segundo caso (VGBL), os impostos também são cobrados só no resgate, mas incidem somente sobre a rentabilidade.
Dito isso, voltemos ao ponto que reacendeu uma discussão que tem tido divergências na jurisprudência.
Caso Luciana Gimenez e a Previdência Privada
Diversos portais de notícias manchetaram nesta quinta-feira (9/6) a seguinte chamada sensacionalista: “Pai de Luciana Gimenez morre e deixa 2 milhões de reais para desconhecida e apenas R$ 73.000,00 para sua única filha”. Questionável, não?
O debate, acima mencionado, gira em torno do fato de que os valores aplicados em Previdência Privada aberta (VGBL ou PGBL), do ponto de vista sucessório, não se enquadram nas regras de sucessão, assim como os seguros de vida, como disposto no art. 794 do Código Civil. Dessa forma, não são considerados como herança e, com isso, não fazem parte dos bens do espólio no inventário.
A saber:
Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
Na prática, existe a liberdade do contratante do plano de previdência em nomear quem serão os beneficiários da apólice e em quais proporções.
Todavia, essa livre nomeação não pode ser realizada ao bel prazer de quem contrata e, de forma alguma, pode ser utilizada como mecanismo a prejudicar algum herdeiro legal, em detrimento de pessoas não previstas no rol do art. 1829, CC/02, uma vez que a ocorrência de algum tipo de dupla interpretação quanto à vontade do falecido (a), abre-se na maioria dos casos disputas litigiosas, o que nos faz voltar à matéria veiculada sobre a herança do pai de Luciana Gimenez.
2 milhões de reais
O falecimento do pai de Luciana Gimenez, apresentadora de televisão, ocorreu em 2020. Contudo, somente com o recente andamento do processo de inventário, os veículos populares de comunicação estamparam suas capas com uma chamada apelativa, em razão do alto valor “deixado para outra mulher”.
A advogada que aqui escreve não teve acesso completo aos autos, porém pela leitura de despachos e decisões do processo, compreende-se que João Morad, pai de Luciana, contratou uma Previdência Privada aberta, na modalidade VBGL, e colocou como beneficiária pessoa estranha aos herdeiros legais.
O valor expressivo de um pouco mais de 2 milhões de reais destinado à outra pessoa, que não Luciana, sua única herdeira legal, está sendo questionado judicialmente pela apresentadora, por entender que tal quantia deveria integrar o valor total dos bens do espólio e, com isso, fazer parte do inventário.
O processo ainda não foi concluído, porém, ao ler e compreender o que é dito pelo Juiz responsável a julgar os autos, a vontade do falecido, bem como o respeito à Legítima (art. 1829, CC/02), vem prevalecendo sobre a vontade de Luciana de herdar a quantia.
Nas palavras do Juiz de Direito José Walter Chacon Cardoso, responsável pela 9ª Vara de Família e Sucessões do Fórum Central de São Paulo/SP:
(…) De outro lado, o bloqueio da VGBL com beneficiária expressamente indicada pelo contratante não pode ser visto como fraude apenas porque assim deseja a requerente. Ao contrário, a boa-fé se presume e o seguro não integra a partilha. A invalidade da indicação da beneficiária, se o caso, há de ser buscado pelas vias processuais adequadas, pois o inventário não comporta litígio. (…)
(Processo 1019573-66.2021.8.26.0100/TJSP)
A decisão, ainda que não seja a sentença do processo, é uma vitória e confirmação para a segurança jurídica do instrumento da Previdência Privada VGLB.
Previdência como instrumento sucessório
Nesse caso prático colocado à título de exemplo, um ponto que deve ser observado é o cumprimento do que está previsto em Lei, em relação à parte do nosso patrimônio que podemos dispor, que pode não contemplar os herdeiros legais, se assim optarmos.
Isso porque, se pensarmos que todo nosso patrimônio, individual, compreende um total de 100%, podemos dispor livremente de 50% dele, sendo que os outros 50% são, obrigatoriamente dos herdeiros legais.
Se algum instrumento, como o caso do VGBL, ferir os dispositivos legais, os herdeiros podem levar ao judiciário a questão, requisitando que tais valores configurem a herança do espólio.
Porém, caso o falecido(a) respeite o previsto no Código Civil, e coloque na previdência privada aberta quantia que não venha a ferir seus herdeiros legais, não podemos questionar a sua decisão, que não contraria a lei, aplicando o pilar base de toda relação contratual: a força dos contratos.
Nas palavras de Pablo Alencar, sócio da Valor Capital Corretora de Seguros e Head de Previdência:
“O case é interessante pois mostra, na prática, como a Previdência é um dos instrumentos Sucessórios assim como o Seguro de Vida, Fundo de Investimento, Testamento e Doação, e que comumente é esquecido ou interpretado de forma incorreta. A vantagem da PREV e do Seguro de Vida é dar liquidez para a família, que pode receber valores significativos antes mesmo da abertura do inventário.”
Ainda que existam jurisprudências divergentes no judiciário brasileiro, cada caso deve ser analisando atentamente por um profissional especialista da área e, principalmente, a contratação e condução dos instrumentos que constituem o ramo de seguros e previdência deve ser feita sempre com empresas experientes e sérias no mercado, a fim de que não haja qualquer questionamento nos momentos mais delicados da sua vida!