Investidores da bolsa brasileira sentiram nos últimos 12 meses uma queda expressiva no principal índice de ações do país. O índice Bovespa, que chegou a ser cotado acima dos 130 mil pontos em junho de 2021, hoje se esforça para superar os 109 mil pontos em meio a ano de eleições presidenciais e um cenário macroeconômico internacional substancialmente averso a risco. A diferença representa uma queda acumulada acima de 16% entre junho/21 e junho/22.
Dentro os fatores que fundamentam uma mudança na direção das marés estão o fim do ciclo de alta nos juros e o indicador P/L das empresas da bolsa brasileira em patamares mínimos, indicando atratividade na bolsa em conjunto com o prêmio de risco no patamar mais elevado dos últimos 5 anos. Ainda, a alta exposição a commodities e bancos no mercado brasileiro pode ajudar a erguer o índice, dada a atual conjuntura político-econômica global.
Como um termômetro que mede o sentimento do mercado frente a esses e outros fatores, a proporção put/call (PCR) em patamares inferiores a 1,0 revela uma expectativa geral positiva do mercado para o preço das ações brasileiras.
Fim do ciclo de alta de juros (Selic)
Hoje a 12,75% ao ano, a taxa Selic está próxima de seu valor máximo para esse ciclo, depois de um movimento de alta iniciado há cerca de 18 meses. Conforme divulgado em ata na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), é esperado um último degrau de alta em junho/22, estabilizando a taxa básica de juros em torno de 13,5% até que seja iniciado o ciclo de baixa.
É notável, entretanto, uma correlação inversa entre taxa Selic e Ibovespa. O gráfico abaixo, que mostra o comportamento do Ibovespa em relação à taxa SELIC nos últimos 15 anos torna visual essa relação.
No período observado, notamos 3 ciclos de alta na SELIC finalizados. Para cada um dos 3 casos, observamos o topo da SELIC coincidindo com um vale no Ibovespa. Esse efeito pode ser observado com maior intensidade nos pontos 1 e 3, em dezembro de 2008 e março de 2016, respectivamente.
Atualmente estamos no estágio final do que seria o quarto ciclo de alta na taxa de juros. Não podemos seguir a viagem com os olhos no retrovisor e esperar que o mercado repita o mesmo comportamento do passado. O intuito aqui é chamar a atenção para um comportamento característico que, em conjunto com outros fatores, pode agregar como embasamento para uma tomada de decisão.
Mas por que razão essa correlação negativa entre Ibovespa e Selic?
Há basicamente dois pontos principais:
O primeiro deles, até intuitivo, é que a renda fixa ganha atratividade frente à renda variável quando a Selic é elevada e alguns investidores veem oportunidade de migrar recurso que estava antes alocado sob maior risco em ações, por exemplo. Pode haver, portanto, uma saída do capital alocado em renda variável e a consequente queda nos preços das ações, afetando o Ibovespa.
Como segundo ponto, a alta na Selic afeta diretamente o preço teórico das ações. Isso porque, no cálculo do “preço justo” de uma empresa, é levado em conta o lucro que essa companhia vai gerar no futuro. Esse lucro futuro é trazido a valor presente e adicionado na conta por meio de uma taxa de juros ligada à Selic.
Imagine que haja uma expectativa de que uma empresa gere um lucro de R$ 1,00 por ação daqui a um ano e que a taxa Selic acumulada para o período seja de 5% a.a. Nesse caso R$ 1,00 daqui a um ano equivale a R$ 0,95 quando trazido a valor presente por meio da taxa básica de juros. Já com uma Selic a 10%, os mesmos R$ 1,00 passam a equivaler a R$ R$ 0,91 nas mesmas circunstâncias. Dessa forma, quanto maior a taxa de juros, menor tende a ser o preço teórico de uma ação.
Indicador P/L (preço – lucro)
O indicador preço – lucro é certamente um dos múltiplos mais considerados na avaliação do preço teórico das ações. De forma simples, ele representa uma estimativa de tempo que uma ação levará para retornar o valor investido na sua compra, considerado o lucro estimado por ação no futuro. Se uma ação custa R$ 5,00 e a estimativa de lucro por ação é de R$ 0,50 ao ano, então essa ação levará 10 anos para retornar por completo o valor investido. Logo, o P/L dessa ação é 10.
Na prática, ele é usado para indicar se uma ação está “cara” ou “barata”. Se olharmos isoladamente esse indicador, uma ação que retorna o capital investido em 6 anos está muito mais “barata” se comparada a uma ação que levará 10 anos para gerar esse retorno.
Nas ações que compõem o Ibovespa, temos um P/L médio de 11,2 quando olharmos o período de jan/2005 a abril de 2022. Ao longo dos últimos meses, entretanto, tivemos uma queda significativa no preço das ações, ao passo que o lucro das empresas não se deteriorou na mesma proporção, nem perto disso. Como resultado de tudo isso, o indicador P/L da bolsa brasileira hoje está hoje em 7,3 (bem abaixo da média histórica). Isso indica que a bolsa brasileira está “mais barata” se comparada a seu preço histórico. Isso pode ser observado no gráfico abaixo.
Da última vez que tivemos o indicador em um patamar tão baixo, estávamos nos entornos do impeachment da presente Dilma, em um cenário de grande incerteza no mercado.
Ainda, a diferença entre o número atual e a média histórica representa mais de 2 desvios padrões, uma medida de dispersão significativa. Estatisticamente, portanto, as probabilidades de o indicador permanecer nesse patamar por muito tempo são relativamente baixas.
Sendo assim, quando olhamos para o longo prazo, as probabilidades maiores são de que esse múltiplo se recupere ao menos para a média histórica (em torno de 11,2).
Isso pode intercorrer por dois meios: a primeira forma seria uma grande redução no lucro das empresas – o que atualmente parece improvável em virtude dos indicadores econômicos. O segundo meio, e que pode tomar forma com muito mais agilidade, seria através do aumento no preço das ações.
Prêmio de risco na Renda Variável em patamares elevados
Sabemos que aplicar em renda variável expõe o investidor a um risco mais alto se comparado a um título público de renda fixa. É intuitivo que, para assumir esse risco, espera-se que a renda variável ofereça, em conjunto com um risco mais elevado, também uma rentabilidade superior.
A questão é: o quanto a mais deve-se oferecer de rentabilidade real, ou seja – acima da inflação – para justificar o incremento no risco?
Na prática, o prêmio pelo risco representa uma estimativa de o quanto o investidor terá a mais de retorno real na renda variável frente à renda fixa.
Matematicamente, é uma conta de subtração entre rentabilidade real estimada na renda variável e juro real do país, que por sua vez é medido por um título público indexado à inflação.
Esse indicador hoje está próximo de 9,7%, cerca de 5% acima da média dos últimos 5 anos, conforme observamos no gráfico abaixo. Notamos também que estamos atualmente no ápice do prêmio de risco para período.
Uma das conclusões é que o mercado está exigindo mais para assumir o risco da renda variável. Infere-se, portanto, uma maior percepção geral de risco para a bolsa brasileira, o que se entrelaça com um cenário de incertezas globais em conjunto com um ano de eleições presidenciais.
Uma segunda conclusão é que, para o investidor que tenha esse apetite a risco, a atratividade na renda variável se mostra como uma oportunidade talvez única.
Commodities e bancos no protagonismo
Como consequência de uma série de choques de oferta gerados por diferentes razões – que vão de pandemia até conflitos geopolíticos – vimos nos últimos meses uma disparada global nos preços de commodities, com destaque para os setores de energia e alimentos.
Muito em razão da força do agronegócio no Brasil, commodities como açúcar, soja, carnes e café compõem a fatia que domina a balança comercial brasileira. No último ano – 2021 – a classe de commodities representou cerca de 67% do total das exportações do país, com um volume financeiro de mais de US$ 84 bilhões no ano.
A alta desses produtos, portanto, tende a favorecer a balança comercial do Brasil, e ainda, impactar positivamente o lucro de empresas que se beneficiam dessa valorização.
Já no Índice Bovespa, temos um claro protagonismo dos bancos. O setor financeiro, majoritariamente bancário, representa um peso de cerca de 25% do total, a maior fatia do índice.
Em meio à inflação, juros elevados e muitas incertezas na economia global, nota-se um movimento em direção a ações de valor e setores mais estáveis. É nesse cenário que os bancos brasileiros, em geral considerados consolidados e bons pagadores de dividendos, ganham relevância.
Taxa Put/Call: um termômetro para expectativa do mercado
Um investidor que compra uma call – opção de compra – passa a ter direito de comprar um ativo sob determinado preço em uma data acordada. A execução desse direito, evidentemente, faz sentido caso o preço do ativo no mercado esteja acima do preço de exercício da opção.
Infere-se, portanto, que um investidor que compra uma call está vislumbrando uma alta no preço do ativo.
A lógica é inversa para o investidor que compra uma put – opção de venda – cuja execução faz sentido quando o preço do ativo no mercado está abaixo do preço de exercício da opção. Aquele que compra uma put, portanto, está apostando em uma queda no preço do ativo.
A proporção Put/Call mede a quantidade de investidores comprando puts relativamente a investidores comprando calls. Em outras palavras, mede a proporção de investidores apostando na alta dos ativos em relação ao número de investidores apostando na queda dos ativos.
Nessas circunstâncias, o indicador em patamares baixos indica otimismo do mercado com uma alta nos preços.
O gráfico abaixo mostra o comportamento desse indicador ao longo dos últimos 2 anos. Nota-se atualmente este abaixo de 1,0x, ou seja, o número de investidores apostando na alta dos ativos supera a quantidade de investidores apostando na baixa.
Podemos observar também um desvio relevante em relação à média do período, que é de 1,34. Ainda, percebe-se que o último ponto em que tivemos o indicador em patamares tão baixos, deu-se às vésperas de uma recuperação acentuada no índice, logo após uma queda expressiva na pandemia de covid-19.
Conclusão: otimismo, mas cautela
Sabemos que é impossível afirmar com convicção qual o próximo movimento dos mercados. Isso porque muitos fatores imprevisíveis alteram radicalmente toda a dinâmica com uma velocidade, no mínimo, impressionante.
Recentemente tivemos boas amostras disso, por exemplo, com o surgimento de uma pandemia inesperada e pouco tempo depois o improvável estouro dos conflitos no Leste Europeu.
Acrescenta-se a isso a falha racionalidade humana, que em muitos casos permite que a emoção sobreponha a razão.
Sendo assim, profissionais do mercado estudam fundamentos e usam destes para identificar as tendências. Chamo atenção ao leitor para que resgate o significado da palavra tendência. Essa indica maior probabilidade de ocorrência, mas em nenhuma hipótese a certeza.
Não quero citar um clichê. Mas, como uma mãe que repete diariamente os mesmos conselhos para o bem do filho, assim o farei: independente de um otimismo com um ou outro mercado, a história mostra com clareza que não é uma boa escolha apostar todas as fichas em uma única tendência.
Se há uma certeza no mercado de investimentos, é que o melhor caminho para crescimento do patrimônio no longo prazo é o da diversificação. Nessas circunstâncias, é sempre recomendável um portfólio composto por diferentes classes de ativos – renda fixa, renda variável, multimercado, alternativos, entre outros.
Para aqueles que se sentem otimistas com um mercado e ainda não possuem uma exposição, podem cogitar aderir a uma posição inicial caso faça sentido. Para outros que já possuem essa exposição, talvez um ajuste moderado no tamanho da exposição possa fazer sentido.
Como reforço final, resgato aqui a analogia da última publicação: um time de futebol composto apenas por atacantes pode até marcar um gol, eventualmente vencer um jogo. Mas o time que ergue a taça do campeonato, sempre será aquele que possui o zagueiro, o volante, os laterais, o goleiro e o atacante. E desconheço registro de exceções à regra.