Por Thiago Goulart – Colunista da Vai Investir
No livro A lógica do Cisne Negro, o investidor e estudioso Nassim Taleb vale-se de uma história factual para compará-la ao mercado financeiro. A questão primordial está centrada na figura do investidor a fim de destacar a nossa fragilidade e visão muitas vezes limitada sobre as coisas.
Resumidamente, a história é a seguinte: há muitos anos acreditava-se, por meio de evidências, que existiam somente cisnes brancos no mundo. Até que ornitólogos descobriram, na Austrália, cisnes negros, rompendo com a crença do que se conhecia até então.
Nós, seres humanos, temos dificuldades em assimilar fatos inéditos, porque sempre tendemos a forçar uma relação lógica entre eles. Para encadeá-los, somos viciados em criar narrativas que nos facilitam armazenar esses eventos em nossa memória.
Desse modo, Taleb procurou evidenciar a nossa propensão em adotar padrões simples para prever eventos e a falhar, eventualmente, diante dos imprevistos.
Vamos ver como esses cisnes negros acontecem e como se proteger deles.
Pontos fora da curva
O cenário de sucessivas quedas de juros (Selic), o fato da inflação (IPCA) estar sob controle, além do bull market vivenciado em 2019 criaram espaço e oportunidade para população brasileira virar uma chave e se desvencilhar dos investimentos em Renda Fixa, buscando alternativas mais rentáveis na Renda Variável.
Chamo atenção para os últimos quatro anos (ver tabela da B3 abaixo) acerca da entrada de CPFs na Bolsa.
A Bolsa brasileira tornou-se tão atrativa nos últimos anos que muitas Pessoas Físicas viraram investidores de primeira viagem, desconhecendo a possibilidade da ocorrência de cisnes negros ao longo de sua jornada em ativos como as ações.
Nassim Taleb destaca três características para que um evento seja considerado um cisne negro:
1. Ser um fato outlier, ou seja, quando nada ocorrido no passado aponta para tal possibilidade;
2. Seu advento cause um impacto extremo;
3. Ser suscetível a explicações desenvolvidas posteriormente pelo homem, que assim pensa tê-lo apreendido e o tornado previsível.
Seguindo a onda de valorização da Bolsa brasileira, muitos investidores iniciantes se esqueceram de se proteger contra as nebulosidades que ocorreram no passado recente e podem vir a ocorrer em seus investimentos.
Vamos resgatar alguns outliers, ou seja, pontos fora da curva em 2020 que passaram despercebidos por muitos ou, pelo menos, não foram dadas a devida atenção. O ano começou com alguns eventos que elevaram o grau de tensão no mundo:
1. O ataque terrorista à refinaria de petróleo da Saudi Aramco;
2. A morte do principal general iraquiano por uma ação militar dos Estados Unidos;
3. O agravamento das relações entre Rússia e Arábia Saudita em torno do petróleo mediado pela Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo);
4. Até chegarmos à pandemia da Covid-19.
Para quem é marinheiro de primeira viagem no mercado acionário, esses quatro pontos geram vertigem e insônia. A entrada de investidores nos últimos quatro anos na Bolsa quase triplicou e é possível que muitos deles realmente estejam dormindo mal.
Dos quatro tópicos ressaltados, apesar de serem pontos fora da curva, o coronavírus é o símbolo máximo de um cisne negro.
Para exemplificar na prática. Se observarmos o gráfico do Ibovespa abaixo perceberemos o exato momento da queda livre em que aconteceu o cisne negro na Bolsa brasileira.
A partir do dia 20 de fevereiro a queda foi quase vertical até o dia 19 de março. Isso não quer dizer que, a partir de março as coisas ficaram menos voláteis no mercado. Mas vejam que os impactos sobre as cadeias produtivas abateram a oferta, mas também devastou a demanda por bens de consumo e serviços.
Diante disso, uma pergunta se impõe: como prever um cisne negro?
Não existe resposta. Mas há como se proteger dele.
Em que sentido? É o que veremos a seguir.
Proteção ao risco
Se não há como prevermos um cisne negro, podemos e conseguimos, ao menos, nos proteger dos riscos que dele advém.
A primeira forma de proteção trata-se do realinhamento do seu portfólio com diálogo franco com a equipe de assessoria de investimentos especializada, a fim de rever os objetivos, prazos, produtos e oportunidade que surgem nesses momentos.
A segunda é ter humildade para aceitar que sabemos muito pouco. Imaginar eventos como 11 de setembro ou a pandemia da Covid-19 não está nos melhores radares do ser humano. Por outro lado, é nesse momento que podemos rastrear oportunidades com um pensamento mais independente que o consensual. Esse é um dos segredos de sucesso dos grandes gestores e investidores.
Outro exemplo prático (ver o gráfico abaixo).
Alonguei o tempo. O período do gráfico (Ibovespa) acima vai de 02 de janeiro desse ano a 03 de junho. Percebam que após a queda livre o mercado tem, ao longo do tempo, retomado algumas de suas posições anteriormente à pandemia. Veja a recuperação do Ibovespa de maio a junho.
Isso significa dizer que, ao focarmos em ações, por exemplo, nosso olhar deve se guiar no horizonte de longo prazo. Assim são os movimentos das empresas, assim são as jornadas de sucesso do investidor.
Você poderia indagar que isso não é possível. Que investir em ações é algo muito arriscado.
Eu responderia com o mesmo gráfico, só que de forma mais alongada, ou seja, com um período bem maior do que o escopo escolhido em 2020.
Vamos a ele. Agora, o período está esticado: vai do ano da de 1995 a junho de 2020.
A crise por qual passamos não é pior, em termos acionários, se olharmos a trajetória da Bolsa nos últimos 25 anos. Isso demonstra que o ser humano tende a ser imediatista e a sofrer psicologicamente quando se trata de investimentos em Renda Variável.
Não devemos ser assim.
Então, aqui vai a terceira forma de proteção ao cisne negro caso você invista em ações: olhe para o mar e veja que a linha do horizonte é a sua trajetória em termos: tempo vs. risco vs. rentabilidade.
Por fim, a quarta proteção que nos soa como um clichê, mas muitos ainda não se atentam: diversificação. Quanto mais variada for uma carteira, menores são as chances de ocorrerem problemas.
Conclusão
Proteção não é somente mitigar riscos. Imprevistos acontecem o tempo todo e alguns deles moldam nossa trajetória e nosso aprendizado. Proteção é reduzir o risco de que acidentes sejam fatais ou deixem sequelas.
Thiago Goulart
Editor do Blog Vai Investir
>> Professor e jornalista pela PUC-SP com ênfase em economia.
e-mail: tgoulart@valorinvestimentos.com.br