Análise e Opinião

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Friendshoring: a nova globalização | Carta aos Investidores AGO 2022

Por
Thiago Goulart

Eis algumas sóbrias questões econômicas: ao longo da década de 1970, algumas economias centrais como os Estados Unidos sofreram com o advento de um cenário que veio a ser denominado de estagflação – crescimento baixo e inflação acelerada. Esse quadro emergiu por várias razões, inclusive por excesso de intervencionismo dos Estados em diversos aspectos econômicos.

Por meio de uma série de políticas estruturais via Bancos Centrais como a implementação de uma agenda de reformas, flexibilizações e regulamentação a inflação começou a assumir uma trajetória cadente no mundo desenvolvido. No começo dos anos 1980, o jogo virou definitivamente com a ascensão de Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

Já no Brasil dos anos 1990, a adoção ampla de regimes de metas de inflação e o início de um Banco Central mais independente trouxeram políticas bem-sucedidas de combate ao dragão inflacionário e de estabilização da moeda a partir da consolidação do Plano Real.

Neste século, porém, três fatores chamam atenção para alguns pontos de exacerbação inflacionária:

  1. Fator demográfico, pelo fato de que a população mundial tem ficado mais velha. Os impactos se direcionam à disponibilidade da força de trabalho e à velocidade de crescimento;
  2. Fator tecnológico, ou seja, com a amplificação de novas tecnologias que foram sendo realizadas por meio da computação e da tecnologia da informação, este fator tem alavancado a produtividade, criando maior número de bens com menos pressão inflacionária;
  3. E o fator da globalização. Após a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, houve um momento de inserção chinesa com foco em desinflação no mundo inteiro e todo o processo de cadeias produtivas mais eficientes

Os três fatores convergiram para um ambiente sobre o qual achávamos que o mundo passara a ser um lugar sem inflação.

Quase três anos de pandemia e seis meses de guerra na Ucrânia depois, riscos de desabastecimento, alta generalizada do custo de vida, ameaças de instabilidade social e a sombra de um conflito nuclear mudaram a lógica das cadeias produtivas, da agenda econômica e da narrativa da política externa. Isso quer dizer, em outras palavras, que as novas alianças entre as nações devem ditar as regras da conjuntura geopolítica.

O impulso pelo modelo offshoring que marcou as últimas décadas, com investimentos que extrapolam as fronteiras nacionais, ganha os contornos do neologismo do momento: o friendshoring. É assim que analistas têm chamado a busca pelo que parecem ser os fornecedores do século 21. Eles até podem estar em terceiros países, desde que sejam amigáveis.

Cadeias produtivas não podem mais depender de uma única origem.

Muito menos de nações que, de uma hora a outra, suspendem exportações de medicamentos em plena pandemia, se lançam em conflitos armados sem perspectiva de fim ou que submetem cidades inteiras, dezenas de milhões de trabalhadores, a confinamentos e restrições sanitárias por tempo indeterminado. Estima-se que as atuais perturbações nas cadeias produtivas tenham levado o Produto Interno Bruto global a encolher pelo menos 1%.

Em outros tempos, essa discussão ficaria a cargo da Organização Mundial de Comércio, que, nos últimos anos, tem perdido sua capacidade de atuação num contexto cada vez mais desafiador para o comércio multilateral, principalmente, a partir do Trade War iniciado em 2019 entre EUA e China.

Por outro lado, se apresenta ao Brasil, a oportunidade de a indústria acompanhar com interesse o que pode surgir no horizonte a partir do rearranjo dos mercados globais. Mas existe dentro e fora do governo um receio de que este seja apenas mais um processo de acomodação, com transformações temporárias.

Há preocupação com a eficiência econômica, uma vez que sempre haverá repercussões profundas no comércio internacional. Assim, é preciso saber em que medida o desejo político vai se transformar em realidade no mundo dos negócios e se as empresas estarão dispostas a arcar com custos maiores de produção.

Mudanças de narrativa do mercado

O mês de julho foi bastante volátil e com mudanças de narrativas do mercado. A leitura em relação à inflação e ao aperto monetário melhorou a perspectiva em todo o mundo. A princípio tivemos a preocupação dos investidores com o cenário inflacionário global. Por outro lado, o arrefecimento dos dados de atividade dos Estados Unidos, adicionados ao tom da reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) reforçaram uma mudança mais brusca no tom das autoridades monetárias.

O Federal Reserve, por exemplo, se comprometeu a controlar a inflação. No entanto, também sinalizou a desconfiança de que os apertos monetários não terão de ser muito elevados por conta da atividade econômica e a alta dos preços em desaceleração. O que ajudou a reforçar tal tese foi a publicação da prévia do Produto Interno Bruto (PIB) americano no segundo trimestre, cuja queda econômica representou um recuo de 0,5%.

Já o Ibovespa acumulou alta de 4,69% no mês de julho, acompanhando em paralelo a performance vista nos Estados Unidos. As ações ordinárias e preferenciais da Petrobras (PETR3 / PETR4) subiram, respectivamente, 6,42% e 5,76% após o anúncio de dividendos acima do esperado, impulsionando a Bolsa brasileira.

Nos Estados Unidos tanto a Dow Jones, quanto o S&P 500 e Nasdaq avançaram, respectivamente, 0,97%, 1,42%, e 1,88% sendo o melhor mês desde novembro de 2020.

O real também se valorizou. O dólar comercial, apesar de ter avançado no último dia de julho, fechou o mês em queda de 1,16%, a R$ 5,17 na compra e na venda.

É possível dizer que saímos de um cenário de bolsa em queda para um de leve otimismo, ou seja, os ativos de risco do mundo terminam julho majoritariamente em alta e o dólar, em queda.

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